A chegada súbita da pandemia desviou o olhar voltado a temas estruturantes do Rio Grande do Sul para a emergência na área de saúde. Mas os velhos e graves problemas, mesmo hoje em segundo plano quanto às atenções, não desapareceram. Nem podem ser deixados para depois. Pelo contrário, como apontou reportagem publicada na edição de ontem de Zero Hora, mostrando que a dívida do Estado bateu recorde e chegou à impressionante cifra de R$ 77,2 bilhões. Deste valor, 86% é de passivos com a União.
Após mais de três anos de negociações, segue fundamental para o Rio Grande do Sul reunir condições para ingressar no Regime de Recuperação Fiscal da União
Se antes já eram necessárias medidas profundas para dar início a um processo de correção da trajetória de descontrole das finanças gaúchas, tornam-se ainda mais inadiáveis e precisarão ser mais agudas devido ao desequilíbrio acentuado pelo lado dos gastos extras com a crise sanitária e pela perda de arrecadação causada pela quase paralisação da economia. O governo Eduardo Leite, é verdade, conduziu uma reforma administrativa e outra previdenciária, mas ainda é imprescindível avançar em planos que reduzam ainda mais gastos hoje inaceitáveis e vantagens injustificadas, especialmente em relação à nata do funcionalismo.
Após mais de três anos de negociações, segue fundamental para o Rio Grande do Sul, neste contexto, reunir condições para ingressar no regime de recuperação fiscal da União. Tramita no Congresso uma proposta para alterar as regras para facilitar a adesão. É a única possibilidade palpável de, com algum fôlego, reestruturar as finanças do Estado ao longo dos próximos anos. Mas exige contrapartidas duras. E essa meta só será alcançada se todos os poderes e a sociedade gaúcha entenderem e aceitarem medidas amargas mas imprescindíveis, como reformas ainda mais profundas do que as tentadas até agora.
O processo de privatização de estatais precisa ser retomado assim que as condições de mercado melhorarem. O mesmo deve ocorrer com as concessões. São formas de o Estado conduzir o seu ajuste também pelo lado da receita. Junto com a reforma tributária, que será analisada pela Assembleia e é discutida com as entidades empresariais, são frentes que têm o potencial de melhorar a competitividade da economia gaúcha, com reflexos positivos no longo prazo.
Omitir-se, empurrar com a barriga ou ficar apenas aferrado a interesses particulares e localizados significará condenar as gerações futuras a um Estado ainda mais depauperado, com perda cada vez maior de relevância no cenário nacional, fuga de talentos e péssimos serviços para os cidadãos. A pandemia pode ter encoberto momentaneamente o que era gritante prioridade há poucos meses, mas na realidade descortinou uma necessidade ainda mais premente de o Estado transformar por completo o modo engessado como se estruturou o setor público nas últimas décadas, incapaz de dar o devido retorno aos contribuintes gaúchos e uma apropriada contribuição para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul.