Conhecer em detalhe um inimigo, como se move, fortalezas e fragilidades, é o ponto de partida para vencê-lo. Enquanto o mundo e o Brasil ainda tateiam para desvendar as particularidades da pandemia do novo coronavírus, a pesquisa Epicovid-19, coordenada pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), oferece ao país um retrato bem aproximado da prevalência do vírus na população, municiando gestores públicos e especialistas em áreas ligadas à emergência sanitária com informações preciosas que ajudam na tomada de decisões. Pois esse importante trabalho, tudo indica, lamentavelmente deixará de ser apoiado financeiramente pelo Ministério da Saúde.
O governo federal mais uma vez alimenta desconfianças de que gostaria mesmo era de esconder a extensão da pandemia
Políticas robustas e eficazes devem ser feitas sobre dados confiáveis. E a Epicovid-19, com todas as dificuldades para ser realizada, inclusive pela disseminação de informações falsas em alguns municípios e com aplicadores agredidos, era um dos raros elementos que auxiliavam na definição de estratégias, amparadas em resultados que mostravam o percentual de pessoas com anticorpos para o novo coronavírus e a velocidade da propagação da doença no país. Ao demonstrar que não tem interesse na continuidade da pesquisa, o governo federal mais uma vez alimenta desconfianças de que gostaria mesmo era de esconder a extensão do problema, uma atitude demonstrada em outras oportunidades, como a tentativa de maquiar as estatísticas de mortes.
A pesquisa até poderia ser substituída por testagem em massa, mas esta opção, infelizmente, parece não estar ao alcance do país. Por isso mesmo, era enorme a relevância da Epicovid. O Brasil, lastimavelmente, é uma das nações que menos testam no mundo, proporcionalmente à população. Ou seja, corre-se o risco de se ficar no escuro quanto à dimensão real da pandemia e a velocidade com que se alastra, uma vez que é unanimidade – a não ser para quem teima em não querer enxergar a realidade – a existência de uma brutal subnotificação no país.
Ainda há tempo de a decisão ser revertida. Os ganhos com as informações geradas são muito maiores do que seu custo. Um recuo prudente do governo federal também ajudaria a afastar a percepção de que o Planalto prefere a desinformação e não tem interesse na continuidade apenas por não gostar de seus resultados, que não servem para seu discurso negacionista. Caso contrário, espera-se ao menos que novos financiadores ajudem a manter a iniciativa em pé em todo o território nacional. Menos mal que, no Rio Grande do Sul, com uma rede própria de apoiadores, a pesquisa prosseguirá, ajudando as autoridades a entender melhor como o vírus está se espalhando e, assim, permitindo que as medidas mais adequadas para enfrentá-lo sejam planejadas e implementadas.