No meio do ambiente embaçado que envolve o Planalto e das constantes crises a eclodir em Brasília, surgem duas propostas razoáveis que convergem na direção de ajudar os mais necessitados enquanto a pandemia do novo coronavírus se prolonga. De um lado, é meritória a intenção do governo federal, manifestada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de estender por mais dois meses o auxílio emergencial aos brasileiros sem renda ou emprego durante o desenrolar da crise sanitária, mesmo o valor sendo metade dos R$ 600 originais. De outro, vem em boa hora a sugestão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que os três poderes façam cortes nos vencimentos e os valores sejam transferidos para a população mais necessitada.
Amparar quem tem menos é um dever moral que deve ser encampado por todos os poderes, com a compreensão de seus servidores
Pagar por mais 60 dias o auxílio emergencial significará raspar ainda mais os já debilitados cofres da União, um quadro agravado pelos gastos imprevistos relacionados à pandemia e pela queda brutal da arrecadação. Mas este é um momento ímpar na história brasileira e é preciso alcançar meios mínimos para a sobrevivência de milhões de cidadãos afetados pela paralisação das atividades econômicas. Mesmo que muitas regiões do país estejam hoje partindo para a reabertura, a retomada será lenta e a recuperação dos empregos formais, incerta.
Tanto a intenção do governo quanto a ideia de Maia mostram que, apesar de Brasília parecer muitas vezes ser uma bolha distante do Brasil real, subsistem sinais de espírito público e compreensão da situação extraordinária pela qual passam o país e o mundo. Amparar quem tem menos é um dever moral que deve ser encampado por todos os poderes, com a compreensão de seus servidores.
Dados do governo federal apontam que, até abril, mais de 760 mil empregos com carteira assinada foram destruídos no Brasil em 2020. De acordo com o IBGE, ao final do trimestre entre fevereiro e abril existiam 12,8 milhões de desocupados, 900 mil a mais do que o recorte de três meses encerrado em janeiro. O número de desalentados subiu 7% e chegou a 5 milhões de pessoas. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicada no mês passado mostrou que 40% dos brasileiros perderam renda, sendo que para mais da metade destes os ganhos simplesmente desapareceram. Da mesma forma, empresas de todos os portes, que também tentam sobreviver, enxergam hoje o futuro apenas como uma incógnita.
Enquanto isso, o setor público segue blindado de sacrifícios, embora existam casos de atrasos de salários devido a finanças historicamente desestruturadas. Mas, como apontou Maia, não há mais como esses dois brasis conviverem em mundos paralelos dentro do mesmo orçamento. Há uma imensa maioria no Brasil real de trabalhadores do setor privado, autônomos e empreendedores atônitos pelas incertezas, depauperados e à beira da ruína. Mas uma minoria, sobretudo nos salários mais altos do funcionalismo público, segue imune aos efeitos da pandemia em sua renda. A fração mais abastada precisa compreender a necessidade de ajudar a parcela que, a cada dia, vive uma agonia renovada. É um dever moral e humano, que precisa ser brevemente colocado em prática, com a concordância e a ação de todos os poderes.