A mais alta corte brasileira, por força da atuação individual e coletiva de seus atuais membros nos últimos anos, reflete um país repleto de contradições, corporativismo e privilégios. O Supremo Tribunal Federal (STF), como qualquer entidade pública, é passível, portanto, de críticas. Mas eventuais equívocos, como a falta de parcimônia em manifestações de alguns ministros ou às vezes decisões que não colaboram com a segurança jurídica, não justificam ataques sistemáticos e orquestrados que certos grupos direcionam à Suprema Corte, com o objetivo de desmoralizá-la, ou mesmo a defesa esdrúxula da ideia de seu fechamento. Guardião da Constituição e sustentáculo do regime democrático, o STF, como instituição, precisa ser defendido e preservado.
A erosão do órgão máximo do Judiciário só interessa a governantes e políticos com contas a acertar na Corte, sejam eles de esquerda ou de direita
Nos últimos 15 anos, especialmente a partir do julgamento do mensalão, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, o STF ganhou uma proeminência pública proporcional ao peso dos casos que examinava. Muitos atingiram figuras centrais da República. Enquanto analisava a conduta e condenava políticos, em sua maioria de esquerda, foi angariando antipatias e animosidades que começaram por ataques individuais aos seus ministros – de acordo com a perspectiva ideológica de quem se manifestava – e culminaram em anos mais recentes em uma campanha movida pela extrema-direita que, de forma nem tão velada, tem o aval inclusive do círculo de poder do presidente Jair Bolsonaro.
São inúmeros os casos de postura beligerante do entorno do governo e de seus seguidores contra o STF, indícios contundentes da pouca afeição nutrida pelo saudável sistema de freios e contrapesos da democracia. Desde a manifestação na malfadada reunião ministerial de 22 de abril do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que chamou de vagabundos e pregou a prisão de ministros da Corte, até a ação delinquente de um grupelho xiita que, no fim de semana, disparou fogos de artifício em direção ao prédio do tribunal. A prisão ontem pela manhã de uma extremista que provavelmente não por acaso usa o nome de uma espiã nazista e se notabilizou por fustigar o STF e seus ministros mostra que os ataques, ao ultrapassarem a barreira do aceitável, terão resposta proporcional, amparada na lei, das autoridades constituídas.
Os atos tresloucados são a ponta mais evidente de uma crescente disposição do núcleo bolsonarista de desafiar decisões judiciais e, vez por outra, até chamar para si a tarefa de interpretar a Constituição. Pressões e críticas à Corte, bem como aos seus ministros, são legítimas e até compreensíveis, diante do corporativismo e excessivo intervencionismo do STF em outros poderes. Mas querer desmanchar um dos pilares da democracia não vai trazer estabilidade para o país. Ao contrário, a erosão do órgão máximo do Judiciário só interessa a governantes e políticos com contas a acertar no STF, sejam eles de esquerda ou de direita. Agressões e ameaças à instituição e a seus membros também se configuram em atentado contra o Estado democrático de direito e, por isso, precisam ser repelidos pela sociedade.