Ao contrário do verificado em governos anteriores, inexistem até agora indícios de corrupção sistêmica na gestão de Jair Bolsonaro. Mas, aflito com o risco de um processo de impeachment, o presidente não hesita em descumprir uma das principais promessas de campanha e aderir abertamente ao toma lá da cá e se associar a raposas da chamada velha política, em nome de sua sobrevivência. Sem nenhum esforço para formar uma base sólida em torno de um projeto consistente de país desde que assumiu, Bolsonaro paga agora um preço caro ao ter de ceder a indicações do centrão uma série de cargos que gerenciam orçamentos polpudos.
Acende todos os sinais de alerta a chegada desse amplo grupo de partidos sem ideologia identificável ao núcleo parlamentar de apoio ao Planalto
Acende todos os sinais de alerta a chegada desse amplo grupo de partidos sem ideologia identificável ao núcleo parlamentar de apoio ao Planalto, devido à reputação questionável de diversos de seus líderes, histórico de fisiologismo e envolvimento em escândalos. O governo, até agora caracterizado por traços autoritários e descoordenação administrativa, passa a correr um sério risco de ter uma de suas últimas bandeiras rasgadas. Afinal, foram rifados órgãos e autarquias que movimentam quantias vultosas, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com orçamento de R$ 54 bilhões, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, com R$ 1 bilhão, que passam às mãos de legendas que não se notabilizam exatamente por terem um programa robusto de desenvolvimento para o Brasil, mas por negociatas por onde passaram. Instituições fiscalizatórias passam a ter de estar cada vez mais atentas a contratos e licitações desses e de outros braços públicos agora controlados pelo centrão, que, no total, teriam orçamentos somados de R$ 110 bilhões. O Banco do Nordeste, concedido ao bloco, pode ter o presidente empossado na terça-feira exonerado do cargo por irregularidades anteriores. Mostra algum cuidado, embora o seu currículo devesse ter sido checado antes.
Formado por representantes de siglas como PP, PL, Republicanos, PTB, PSD, DEM, MDB e Solidariedade, o centrão teria cerca de 200 votos na Câmara, o suficiente para impedir um eventual afastamento do presidente, que precisaria ter pelo menos 172 dos 513 deputados. Muitos são conhecidos de episódios como o mensalão e a Lava-Jato. Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PL) e Arthur Lira (Progressistas) são alguns dos luminares desse grupo, com um passado recente nada recomendável e que agora surgem para formar uma providencial tropa de choque. Os R$ 6,2 bilhões empenhados em emendas apenas em abril reforçam a percepção de que a troca de favores, prática que Bolsonaro se comprometeu a não utilizar, prossegue em Brasília. É a conta da desarticulação com o Congresso.
Como obscuro deputado do baixo clero por quase três décadas, o presidente assistiu a seus novos parceiros aderirem a governos, mas também abandonarem o navio perto do naufrágio. A proteção, portanto, pode ser fugaz, conforme se desenrolem os acontecimentos das crises política, econômica e sanitária. Como um predador oportunista da natureza, o centrão sabe se aproveitar de uma presa frágil, como é o governo Bolsonaro, mas também não se constrange em se afastar da carcaça quando os riscos são maiores do que as conveniências.