O recorde de trabalhadores por conta própria no Rio Grande do Sul, refletindo tendência nacional, é um fenômeno cuja explicação vai muito além da recuperação frágil da economia brasileira. Precisa ser analisado sob outros prismas, também para que esse contingente cada vez mais representativo migre em maior parte para a formalidade e tenha capacitação para empreender, gerar renda, inovar em produtos e serviços e, quem sabe, abrir oportunidades para outras pessoas que buscam colocação.
Resta encontrar a melhor forma de conciliar o interesse do poder público e dos autônomos, que terão como progredir ao mesmo tempo que estão socialmente amparados
Reportagem publicada na edição de ontem de Zero Hora mostrou que, ao final do ano passado, havia 1,44 milhão de trabalhadores por conta própria no Estado. Destes, 970 mil na informalidade. A dificuldade para o Brasil retomar os níveis de emprego com carteira assinada decorre do ainda alto custo para contratar no país, um dos mais altos do planeta, a despeito da reforma trabalhista. É razão inibidora ainda o fato de o Brasil ser um dos campeões mundiais em reclamatórias contra empregadores.
Outro fator a ser observado é a grande disrupção causada pela substituição da mão de obra pela automação e pela inteligência artificial. Não são mais apenas as funções de baixa qualificação que são atingidas. É o que mostra, por exemplo, o vertiginoso aumento de atendentes virtuais em áreas como varejo, serviços financeiros e outros setores que têm alto grau de intermediação entre empresas e seus clientes.
É uma conjuntura, portanto, que limita um grande salto do emprego formal nos próximos anos, mesmo que a economia brasileira ganhe tração. Este novo cenário, no qual surgem muitos autônomos empreendedores por necessidade, e não exatamente por oportunidade, exige que se encontrem formas de investir na qualificação desses microempresários, para que tenham acesso a conceitos e ferramentas modernas de gestão e, assim, consigam não apenas sobreviver, mas prosperar com os seus negócios e colaborar com o desenvolvimento do país. Mas é algo que não se resume a cursos técnicos. Esta preparação, não se pode esquecer, deve começar na mais tenra idade, desde o Ensino Fundamental, quando são adquiridas habilidades básicas como entender o que se lê e um domínio mínimo das operações matemáticas. Simultaneamente, é preciso incentivar a saída da informalidade desse grande número de trabalhadores sem CNPJ. Em todo o país, são 19,4 milhões de pessoas nessa situação, mostram os dados da Pnad Contínua, sob responsabilidade do IBGE.
A constituição de uma empresa significa aumento da arrecadação e, ao mesmo tempo, para os microempreendedores individuais, por exemplo, acesso à rede de proteção do Estado – Previdência Social, licença-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria e pensão por morte. Tanto o país quanto os empreendedores ganham com a formalização. É natural, ao longo do tempo, que as relações de trabalho se modifiquem e a evolução da tecnologia rompa paradigmas. Resta encontrar a melhor forma de conciliar o interesse do poder público e dos autônomos, que terão como progredir ao mesmo tempo que estão socialmente amparados.