Como demonstra a série de medidas tomadas no início do ano pelo presidente Alberto Fernández, não eram pessimistas as previsões que apontavam para uma tendência protecionista do novo governo argentino. Com razões de sobra, empresários gaúchos se mostram preocupados com o anúncio de novas barreiras para vendas ao país vizinho, como a redução de 180 para 90 dias da validade de licenças para importação de mercadorias. Ao mesmo tempo, o novo governo ampliou a lista de setores que precisam pedir autorização de importações.
A construção de muros burocráticos para fortalecer artificialmente economias locais é uma praga que voltou a assolar o comércio internacional, com Donald Trump à frente do discurso ultranacionalista de proteção total ao mercado interno, mesmo que tais medidas só ampliem ineficiências e onerem os consumidores. Durante muito tempo, o Brasil foi um campeão do protecionismo, e o resultado foi o atraso no desenvolvimento de muitos setores, como o automobilístico, até ser aberto à concorrência no início do governo Collor. Outra disfunção nacional foi a Lei de Informática, nos anos 1980, que, em vez de legar uma pujante indústria, como se pretendia, condenou os brasileiros a décadas de atraso e de custos significativamente mais altos em serviços e produtos tecnológicos.
A Argentina, que nunca se notabilizou pela abertura comercial, agora marcha com mais celeridade e vigor no rumo do estreitamento de suas relações nessa área, com ameaça de sérios prejuízos à economia gaúcha
A Argentina, que nunca se notabilizou pela abertura comercial, agora marcha com mais celeridade e vigor no rumo do estreitamento de suas relações nessa área, com ameaça de sérios prejuízos à economia gaúcha. Em entrevista a ZH, o secretário-geral da Câmara Empresarial Argentina-Brasileira do Rio Grande do Sul, Leandro Cezimbra, resumiu a situação ao comentar que encara as medidas protecionistas “com bastante apreensão”. Em decorrência da crise argentina, as exportações gaúchas para o país vizinho desabaram 36,3% em 2019, abaixo do patamar de US$ 1 bilhão. As novas medidas podem produzir um travamento adicional, como nas exportações de calçados, que já caíram 24,7% em receita em 2019.
O perfil ideológico de Alberto Fernández e Jair Bolsonaro não colabora para uma solução a curto prazo. Ambos são populistas que preferem adotar medidas que satisfaçam o apetite imediato dos lobbies internos, mesmo que contrariem a racionalidade e gerem prejuízos à economia e aos consumidores no futuro. No caso brasileiro, a presença de Paulo Guedes à frente da economia serve como um contraponto de racionalidade, o que, pelo visto, falta à Casa Rosada.
Nesse cenário, a solução passa pelo engajamento ativo dos interlocutores de entidades privadas com os representantes da economia e das relações exteriores de ambos os países, com sentido de demonstrar na prática que o fechamento comercial nunca é bom conselheiro para reativar economias depauperadas. Mais barreiras representam mais custo, o que gera mais inflação – e quem tem mais a perder nesse campo no momento são justamente o governo e os consumidores argentinos, já assolados por uma disparada de preços acima de 50% nos últimos 12 meses.