Por Marcelo Rocha, doutor em Letras e professor da Unipampa
Após a divulgação dos indicados ao Oscar 2020, o Brasil seguiu seu roteiro contumaz de discussões passionais, dessa vez por conta da presença do documentário "Democracia em vertigem", de Petra Costa, entre os finalistas. A narrativa apresenta um percurso histórico que compreende o primeiro mandato do ex-presidente Lula até o processo de crise política que culmina no impeachment de Dilma Rousseff. Nesse sentido, o debate se estabeleceu na articulação das dicotomias político e partidárias habituais e em torno da fidelidade do filme à realidade.
Se formos examinar o conceito de documentário, podemos pensá-lo, conforme o pesquisador Fernão Ramos, como uma narrativa por imagens-câmera, carregadas de música e fala, para as quais olhamos em busca de asserções sobre o mundo. Essa talvez seja a singularidade do gênero. O documentário pode ser definido pela intenção do documentarista em estabelecer afirmações categóricas sobre a realidade histórica. Em "Democracia em vertigem" esse processo de reconstituição e interpretação não é omitido.
Com efeito, o debate recrudesce quando se cobra do filme seu compromisso com o real. Porém, de que realidade tratamos, diante das possibilidades interpretativas do contexto político brasileiro? Além disso, dizer que o filme não se coaduna à verdade é ingressar em um âmbito epistemológico controverso. Afinal, quem acusa o documentário de não ser fiel, seria, então, o detentor da verdade?
Infelizmente, no Brasil atual, costumamos depreciar nossos valores, em função do fundamentalismo ideológico. Isso acontece com Paulo Freire, o terceiro pensador mais citado em trabalhos no mundo, com Chico Buarque, vencedor de um dos prêmios mais importantes da literatura lusófona, e agora com Petra Costa. Quanto tempo ainda a nossa sociedade vai demorar a reconhecer a arte, educação e cultura como heranças e patrimônio definitivo para nosso desenvolvimento intelectual e humano?