Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Na última terça-feira, Anderson França, interessantíssimo colunista da Folha, chamou atenção para o fato de muitos artistas de massa brasileiros não terem repudiado o discurso nazista do agora ex-secretário Roberto Alvim. Dentre eles, deu ênfase ao sertanejo "universitário", maior movimento artístico do Brasil atual, em uma ilustração exagerada que exibia a dupla Maiara e Maraisa com a suástica.
A mensagem de Anderson tem fundamento histórico: frente a ideias totalitárias, silêncio é sinônimo de colaboração. Sobretudo quando se tem poder simbólico, caso dos grandes artistas. Além disso, o autor da paródia nazista pertencia justamente à área de Cultura do governo, o que coloca no centro do debate a opinião de artistas sobre o acontecido.
Pondero que o discurso não era assim tão perigoso exatamente por ser uma cópia tosca de Goebbels. Não me surpreenderia se Alvim, que é dramaturgo, viesse a público dizer que encenava um personagem enquanto ocupava o cargo. O risco seria muito maior se ele tivesse compreendido e expressado uma estética sertaneja, evangélica, oportunista e "neobranca", como disse Anderson. Eu adicionaria miliciana e latifundiária.
Em maio de 2018, antecipei aqui na coluna que a vitória de Bolsonaro seria o equivalente político à música sertaneja no topo das paradas. Esteticamente, esse governo ainda se esforça para encontrar narrativas que conversem com todas as subculturas que o legitimam. Poucas vezes na nossa história tivemos vanguardas que executaram bem a tarefa de síntese. Até o século passado, dava para fingir que o Brasil era bossa nova, depois tropicalismo. Hoje, com WhatsApp e "cancelamento", a engenharia social precisa ser muito mais eficaz e abrangente. Precisa cativar segmentos da população que antes não tinham voz.
Enquanto isso, controla nossa atenção criando diariamente cortinas de fumaça que tiram força de investigações como as que envolvem os filhos do presidente e personagens centrais na manutenção do poder, como o publicitário Fábio Wajngarten, que foi midiaticamente beneficiado pelo caso Alvim. Pouco a pouco, enfraquece as instituições ao expandir o limite do razoável. Aproxima a nação da falsa normalidade exibida pelos artistas despolitizados. Extingue a sensação de corrupção abafando cada caso.