Por Igor Oliveira, consultor empresarial
O jornal britânico Guardian iniciou no último dia 14 a publicação de uma série de reportagens sobre a chamada automatização da pobreza: a distribuição desigual dos efeitos negativos dos algoritmos utilizados por governos e corporações, que tendem a penalizar os mais pobres, que ficam, então, cada vez mais pobres.
Ed Pilkington, repórter do Guardian nos EUA que escreveu o texto de abertura, tocou em um ponto crucial: a convergência entre esse fenômeno e as mudanças climáticas globais, que também são distribuídas de maneira injusta.
Como bem descreveu o Nobel em Economia William D. Nordhaus, as variações no clima geram enormes níveis de incerteza no que diz respeito a suas consequências econômicas globais e locais. Há territórios que se beneficiam de um aumento de temperaturas, onde terras antes improdutivas passam a ser muito mais úteis. Outros lugares sofrem com o aumento da frequência de eventos climáticos extremos, queda de produtividade, crescimento dos conflitos por recursos naturais.
Talvez a maior desigualdade esteja no acesso à informação: grandes corporações e governos conseguem antever razoavelmente os padrões de variação climática, por meio de estudos e modelos climáticos. Os elos mais frágeis das cadeias produtivas, como pequenos agricultores, notam esses fenômenos quando já é tarde demais.
Nesse meio tempo, governos cooptados por corporações podem experimentar novas formas de autoritarismo, até mesmo baseadas em narrativas ambientalistas, algo que a ficção antecipou, por exemplo, em Mad Max.
Imagine quando os agentes mais poderosos souberem tudo sobre a vida desses pequenos agricultores (inclusive o histórico de crédito, consumo, interação social) e os padrões climáticos futuros das áreas de onde tiram seu sustento. Quanto poder não virá da análise dessas informações? Dificilmente os elos mais fracos conseguirão reagir. Teremos mesmo um apartheid climático, como disse em junho Philip Alston, representante da ONU para a extrema pobreza. Esse apartheid é, na verdade, informacional e digital.
Urge o surgimento de um esforço global de empoderamento daquelas pessoas mais afetadas pela combinação entre esses dois riscos. Uma espécie de agência de inteligência civil que informe e articule reações. Essa é uma missão que vale a pena levar adiante e que tenho para mim como um norte.