Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Há duas semanas, nas negociações de Madri, o secretário-geral da ONU, António Guterres, fez um alerta acerca da possibilidade de apenas os mais ricos sobreviverem às mudanças climáticas globais. Essa é uma evolução no discurso das organizações intergovernamentais, visto que, até pouco tempo atrás, não havia uma narrativa ao mesmo tempo realista e alarmante para esse fenômeno global. A ideia de "apartheid climático", utilizada pela ONU desde junho, ganha agora uma versão mais acessível, em meio ao crescimento de movimentos civis que utilizam lógicas parecidas, como Extinction Rebellion e Greve Pelo Clima.
É importantíssimo que as organizações que fazem parte da governança climática global enfatizem a heterogeneidade na distribuição das consequências das variações climáticas. Essa desigualdade pode ser vista em termos de localidade, renda, gênero, cor, entre outros fatores. A depender das circunstâncias do seu nascimento, você pode estar mais ou menos vulnerável a essas variações.
Também é inevitável pensar que, em muitos casos, as populações mais vulneráveis são aquelas que menos contribuíram com emissões de gases de efeito estufa. Ou seja, além de sofrer desproporcionalmente mais, você pode estar pagando pelas ações poluentes que beneficiam segmentos da população global dos quais você não faz parte.
Evitar a associação entre mudança climática e processos violentos de desenvolvimento, como colonialismo e escravidão, é hipocrisia. Foram justamente esses modelos de desenvolvimento que nos trouxeram até aqui, com as fortes desigualdades que temos.
Discursos que tentam criar senso de urgência em torno da agenda climática somente serão viáveis quando essa hipocrisia for finalmente superada. Para engajar populações menos privilegiadas, será necessário, por exemplo, abrir as fronteiras dos países que colonizaram e escravizaram, e que hoje poderiam abrigar muito mais gente. Essas mesmas nações beneficiaram-se de cenários muito mais permissivos em matéria de migração e propriedade intelectual quando precisaram fugir de fomes, guerras e pobreza extrema ao longo dos últimos séculos. Como bem observou Ai Weiwei, o mundo civilizado está encolhendo - nosso desafio como espécie é manter o maior número de pessoas possível dentro dele.