A postergação da votação dos principais e mais polêmicos pontos do pacote de mudanças no funcionalismo adia mas não elimina o fato de que caberá à Assembleia Legislativa examinar um dos mais relevantes projetos da história recente do Legislativo. As opções que estão diante dos deputados não são simples ou destituídas de controvérsia: cedo ou tarde, os parlamentares terão de escolher entre um duro conjunto de medidas para conter gastos com o funcionalismo e uma alternativa pior: a simples rejeição do pacote ou de seus principais aspectos. Na prática, uma eventual negação das medidas significará uma postura de inércia, com consequências que irão bem além da manutenção dos desgastantes e desmoralizantes atrasos nos vencimentos dos servidores. Uma rejeição ou descaracterização do pacote equivaleria a condenar mais uma geração de gaúchos, funcionalismo incluído, a mais anos de atrasos salariais, de infraestrutura precária, de perda de competitividade, de fuga de empresas e de talentos para paragens onde os problemas motivados por um Estado falido inexistem ou já foram ao menos remendados.
A trágica situação de permanentes cofres raspados do governo gaúcho não pode continuar imutável para sempre
Nenhum governante – parlamentares menos ainda – demonstra vocação natural para cortar custos. Mas, independentemente de partidos ou ideologias, essa histórica tendência a driblar a necessidade de sacrifícios começa a ser alterada pela crescente consciência dos eleitores sobre a melhor destinação de seus tributos. Aos poucos, o discurso fácil de que os problemas se resolvem por passes de mágica vem sendo rejeitado por parcelas expressivas e esclarecidas do eleitorado, cansando de comprar o paraíso eleitoral e ir viver no purgatório da realidade.
A derrota acachapante de Jeremy Corbin nas eleições britânicas da semana passada dá um senso de medida deste despertar dos eleitores. A plataforma de Corbin era um menu de irresponsabilidades fiscais, entre elas universidade gratuita para todos, mas os eleitores relegaram esse cardápio irreal e populista à condição de maior vexame trabalhista desde 1935. No Brasil e no Rio Grande do Sul, entre outros Estados, elegeram-se em 2018 governantes que não esconderam que seria preciso mexer nas estruturas públicas para que os governos possam dirigir mais recursos para a esmagadora maioria da população que tanto necessita de serviços governamentais. Está-se, portanto, fazendo jus a plataformas referendadas pela maioria do eleitorado.
Em oposição às mudanças, as lideranças sindicais do funcionalismo estão no direito de protestar contra iniciativas que atingem seus associados. Os servidores de fato não são os culpados por o Estado ter se encalacrado em uma situação de penúria que se agrava ano a ano. Ao contrário: apesar dos atrasos sistemáticos nos vencimentos, seguem mantendo um sem-número de serviços em patamar mínimo, muitas vezes com abnegação e desprendimento.
No entanto, a trágica situação de permanentes cofres raspados do governo gaúcho não pode continuar imutável para sempre. Nem os funcionários nem os contribuintes gaúchos, já emparedados por uma carga fiscal sufocante que afugenta empreendedores e empregos, merecem que o Rio Grande do Sul permaneça estagnado pelo mesmo negacionismo que impede a reversão deste quadro há décadas. Não fazer nada diante da crise das finanças estaduais pode ser uma posição momentaneamente confortável, mas é ilusória – para deputados, servidores e a população.
Um futuro nos mesmos moldes falidos seguirá cobrando um custo altíssimo, seja em vencimentos atrasados ou na falta de investimentos em obras e serviços públicos, tão necessários para justificar a própria existência de estruturas de governo. Para o bem dos seus eleitores, os deputados não podem ignorar indefinidamente a realidade inóspita e terceirizar responsabilidades. Cada dia adiado numa solução será mais um dia adiado para a retomada da confiança e do desenvolvimento gaúchos, prerrogativas obrigatórias para recuperar a autoestima e o reconhecimento merecidos pelo funcionalismo e por toda a população do Rio Grande.