Um dos diferentes aspectos positivos a se extrair da reunião de cúpula do Brics, que transcorreu sem percalços, é a sensação de que o governo Bolsonaro começa a se portar de maneira mais pragmática quando o assunto são as relações exteriores com parceiros comerciais importantes ou de grande potencial. Foi assim na visita do presidente Jair Bolsonaro à China, em outubro, e a postura se repetiu no encontro realizado em Brasília, que reuniu também os líderes de Rússia, Índia e África do Sul. Chineses e russos, como se sabe, estão no lado oposto das crenças ideológicas do atual inquilino do Palácio do Planalto. Mas questões comerciais e estratégicas, pelo jeito, vêm prudentemente falando mais alto e
ganhando espaço de bravatas.
Na reunião do Brics, tratou-se de negócios e integração e, ao final, saiu uma declaração conjunta que abordou conflitos distantes do Brasil, a defesa do multilateralismo e a condenação a protecionismos
Como anfitrião, Bolsonaro seguiu os protocolos. Não se ouviu nada sobre comunismo, globalismo, climatismo ou planos mirabolantes do Foro de São Paulo. Nem publicamente emergiu qualquer desconforto em relação às posições diferentes sobre as questões que envolvem, no continente, Venezuela e Bolívia. Tratou-se de negócios e integração e, ao final, uma declaração conjunta que abordou apenas conflitos distantes do Brasil, a defesa do multilateralismo e a condenação a protecionismos. A reivindicação de Bolsonaro de que o Novo Banco de Desenvolvimento, a instituição financeira do grupo, deveria aportar mais recursos no Brasil é justa e não é motivo de qualquer controvérsia.
É de se ressaltar que, apesar de reiteradas manifestações do presidente de apreço aos Estados Unidos e a Donald Trump – até um pouco ausentes nas últimas semanas –, o governo vem se comportando bem em tentar fortalecer os laços com a China e manter-se distante do conflito entre Washington e Pequim. Que, aliás, ainda deve ir longe. Além de ser o principal cliente dos embarques do Brasil, a China acaba de colocar à disposição do país US$ 100 bilhões em capital para financiar a melhoria da precária infraestrutura nacional.
No grupo de países que forma o Brics, há potencial para elevar substancialmente as exportações para a Índia. Assim como a China, é uma nação que vê sua economia crescer de forma acelerada nos últimos anos. As projeções da ONU indicam, inclusive, que a população indiana será maior do que a chinesa até 2027. Ao mesmo tempo, a África do Sul pode ser a porta de entrada para uma maior inserção no continente africano, que, a exemplo da Ásia, seguirá com forte aumento no número de habitantes nas próximas décadas. O que não deve significar, por outro lado, qualquer desleixo na busca por estreitar conexões com a Europa e os Estados Unidos. Quanto mais plurais e pragmáticas forem as relações brasileiras, melhor.