Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
O ministro Paulo Guedes padece do mal de empolgar-se ao discursar e acaba falando além do compatível com o cargo. Foi o caso inusitado da exoneração do secretário da Receita por defender a CPMF, o que Guedes tem feito sistematicamente. E também os comentários sobre a primeira-dama da França, cujo mau gosto ficaria por aí não fossem as consequências para o país. E ao se perguntar, com ironia e menosprezo, desde quando o Brasil precisa da Argentina para crescer.
Resposta: desde sempre. É nosso país fronteiriço mais importante, caro à geopolítica brasileira, desde Rio Branco, Oswaldo Aranha e Golbery. Mas não é só passado. Estudos recentes referendam que a globalização e a revolução das tecnologias de comunicação, a despeito de encurtarem distâncias, reforçaram a tendência de integrar o comércio e as cadeias globais de valor com os vizinhos. O mundo globalizado, paradoxalmente, é também regionalizado. Formam-se "clusters" em volta de países que alavancam parceiros. A China aprofundou sua relação e paparica países como Vietnã, Coreia(s), Indonésia e até com o histórico rival Japão. A Alemanha repete o mesmo com os europeus, mesmo os fora da zona do Euro. Os EUA, idem, além de nunca terem abandonado o dúbio entendimento de que a América é dos americanos. Sem contar a Rússia, cuja geopolítica de tratamento imperial com os vizinhos –os antigos comunistas que me perdoem – nada mudou desde os czares, passando por Stalin, Brejnev e agora Putin.
Aqui, ao contrário, não se trata de imperialismo, mas do simples reconhecimento da Argentina como parceira comercial importante, com a qual sempre temos superávit comercial. É o terceiro destino de nossas exportações, após China e EUA, das quais chegou a perfazer mais de 10%. Este hoje caiu com a crise, mas as relações internacionais exigem olhar além da conjuntura. E a Argentina, também produtora de commodities, importa do Brasil produtos industriais e de maior valor agregado, às vezes mais do que 70% da pauta, em itens como automóveis, aviões, produtos siderúrgicos e químicos, açúcar, tratores e calçados – estes últimos, relevantes para o Rio Grande do Sul.
Atribui-se a Delfim Netto a frase de que os ministros econômicos devem trabalhar muito e falar pouco. Também deveriam ponderar as consequências, pois quem perde é o país.