Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Na década de 1960, tornou-se comum na esquerda a defesa da reforma agrária como medida de combate à inflação. A tese carecia de qualquer fundamento empírico, mas era útil: ganhava adeptos à proposta. O argumento é que baratearia os alimentos. Coube a Ignácio Rangel, economista de esquerda, mostrar que a relação de causalidade não existia, embora defendesse a reforma por outros motivos. Mesmo assim, foi execrado.
Recordar o passado ilumina o presente, só que agora o desemprego e o baixo crescimento são os problemas, e não a inflação. Repete-se o equívoco de tentar vender como solução algo que se quer aprovar. No governo Temer, jurou-se que o teto dos gastos traria a confiança dos empresários para investir e gerar emprego. Depois foi a flexibilização das leis trabalhistas. Quem argumentava o contrário, tal como Rangel, era até ridicularizado. Mas a estagnação continuou. O mesmo vale agora para a reforma da previdência. Essa pode ser defensável, afora detalhes polêmicos, para enfrentar o déficit público. Importante, pois o Estado está quebrado. Gerar emprego? Só no longo prazo – e se vier acompanhada da retomada dos investimentos, públicos e privados, o que não acontece da noite para o dia. O argumento pode ser útil, mas é frágil – entusiastas mais sérios da reforma têm alertado para não alimentar tal ilusão. Aliás, o mesmo se dizia dos juros – cujo nível baixo é sempre salutar – mas por si só não induz crescimento, como ora se vê. Alguém comprará um carro novo ou uma geladeira porque a taxa de juros baixou, se não tem renda?
Economia, por mentira que pareça, tem lógica. Com consumidores endividados e sem emprego, vender para quem? Dois fatores são determinantes para o investimento empresarial: confiança no futuro e mercado consumidor. Infelizmente não temos em economia um João Gilberto para criar a bossa-nova. A não ser que o país seja exótico a ponto de inventar o capitalismo sem mercado, não haverá a volta do crescimento sem demanda. E esta não reage espontaneamente em períodos longos de estagnação, como o atual, precisa ser estimulada. As outras medidas contam, é claro, mas ela é pré-requisito. Obras de infraestrutura são bom começo: o setor está paralisado há anos, além de ser gerador de emprego. Ignácio Rangel deve ter sofrido simplesmente por dizer o óbvio.