O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas não foi nem o desastre que anteviam seus detratores, nem a redenção internacional pela qual ansiavam seus mais fervorosos apoiadores. Na realidade, Bolsonaro foi coerente com a linha que o conduziu à Presidência e que, apesar das palavras e boas intenções soltas ao vento, na prática mantém o país desagregado entre o "nós e eles" da campanha eleitoral e que, durante os governos petistas, tanto mal causou ao país.
Se de um lado frustrou a expectativa de reconciliar o país com a opinião pública internacional, de outro também não agravou a já desgastada imagem externa
O presidente se esforçou em se apresentar ao mundo de modo distinto do que passou a ser pintado no Exterior, como um vilão internacional do meio ambiente, e deu palco global a uma dissidência nas lideranças indígenas, na tentativa de reduzir os holofotes sempre acesos sobre o cacique Raoni. Bolsonaro não desapontou a plateia ao se concentrar no tema ambiental e indígena, fonte de profundo desgaste de seu governo, e acabou atirando para todos os lados.
Na linha conciliatória, buscou resguardar a expansão agrícola do Brasil ao citar que a agricultura ocupa apenas 8% do território nacional, enquanto as reservas indígenas se espalham por 14% do país. Também prometeu "tolerância zero" com a criminalidade, o que inclui crimes ambientais, e se mostrou disposto a aceitar ajuda externa, respeitadas as condições de soberania brasileira.
Na linha conflituosa, o presidente comportou-se como muitos de seus congêneres autocráticos, com repetidos ataques à imprensa brasileira e internacional, atribuindo à "ideologia" reportagens que mostram as queimadas e o desmatamento na Amazônia. Ao ignorar dados sobre o abrupto crescimento do desmatamento em seu governo e defender a exploração de terras indígenas, Bolsonaro abriu o flanco para a manutenção das suspeitas do Exterior sobre sua real disposição de preservar a floresta – definida por ele, aliás, como "praticamente intocada", apesar das muitas evidências de desmatamento acelerado ao longo das últimas décadas.
Bolsonaro seguiu o figurino radical ao enunciar que o Brasil estava na iminência de implantação do socialismo, considerar a cobertura jornalística dos incêndios como "ataques sensacionalistas da mídia" e criticar, ainda que indiretamente, a defesa da diversidade. Em contrapartida, identificou na irresponsabilidade fiscal e na tolerância com a corrupção duas causas dos males que assolam o país.
No fim, Bolsonaro não desceu ao inferno nem foi guindado ao céu da diplomacia internacional. Falou pouco de economia e reformas, muito de índios e, mesmo cedendo a teses conspiratórias, mostrou-se firme contra as absurdas manifestações pela internacionalização da Amazônia. Se de um lado frustrou a expectativa de reconciliar o país com a opinião pública internacional, de outro também não agravou a já desgastada imagem externa. Em se tratando de um presidente impulsivo e dado a declarações que costumam despertar ondas de ultraje, o saldo da passagem pela ONU é positivo para seu governo e o Brasil.