A demissão do número 2 da Receita Federal, João Paulo Ramos Fachada, é o mais novo capítulo de uma preocupante série de intromissões diretas do presidente da República para substituir ocupantes de cargos que deveriam estar protegidos de quaisquer interferências políticas. A lista de intervenções de Jair Bolsonaro no segundo, terceiro e até quarto escalões, em postos que deveriam ser imunes a ventos políticos, é extensa e vem evidenciando uma crescente tendência do chefe da Nação de se envolver com funções e assuntos menores por razões que se distanciam de sua missão republicana.
O presidente tem um mandato para governar para todos os brasileiros, não para fazer do Planalto uma extensão de seus interesses pessoais e familiares
Bolsonaro não é primeiro presidente brasileiro a enveredar por esse caminho tortuoso. O surpreendente é que ele embasou sua campanha eleitoral na promessa de sepultar o jeito obsoleto de fazer política e, graças a isso, emergiu vitorioso das urnas.
O que se vê, na prática, é o oposto. Da pressão para exoneração do fiscal do Ibama que o multou em 2012 até a ingerência na substituição do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, onde se investigam as movimentações de Fabrício Queiroz, ex-assessor do Flávio Bolsonaro, a série de intromissões deixa no ar a sensação de que o presidente espezinha o princípio da impessoalidade na administração pública claramente delineado pela Constituição de 1988. Foram também esses os casos de sua determinação para que a Petrobras encerrasse um contrato com o escritório do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, após um desentendimento público, e a edição da MP 892, que cancelou de uma hora para outra a publicação de balanços em jornais porque Bolsonaro, como ele mesmo ironizou, queria fazer uma "retribuição" à cobertura da imprensa.
Intempestivo e por vezes revanchista, o presidente já evidenciou que dispensa protocolos e cerimônias ao demitir pessoas que até pouco lhe eram próximas ou bem recomendadas, como ocorreu com os ministros Gustavo Bebianno e Santos Cruz; com o presidente do BNDES, Joaquim Levy, e, mais recentemente, com o secretário de Imprensa, Paulo Fona, exonerado por um telefonema de um adjunto no sexto dia no cargo, após sugerir que o presidente fosse mais parcimonioso em seus contatos com repórteres.
Ainda ferido por uma eleição altamente polarizada, o Brasil é um país complexo e multifacetado que deveria enxergar na figura do presidente um bombeiro, e não um incendiário capaz de interferir na Polícia Federal, no Coaf e na Receita porque, de uma forma ou de outra, contribuíram para reforçar as suspeitas sobre as movimentações financeiras de seus familiares. Eleito também com a expectativa de que recolocasse nos trilhos da imparcialidade organismos públicos nos quais correntes ideológicas de esquerda sedimentaram boa parte da cultura estatal, o que se vê é que Bolsonaro trocou o sinal e se confunde sistematicamente com a extensão do cargo. O presidente tem um mandato para governar para todos os brasileiros, não para fazer do Planalto uma extensão de seus interesses pessoais e familiares.