As razões das turbulências recentes na economia mundial, com consequências já sentidas no Brasil, como a perda do patamar de 100 mil pontos na Bovespa, vêm sendo simplificadas pela chamada “aversão ao risco”, mas suas raízes são mais profundas. Elas podem ser localizadas na tendência de crescente isolamento e de retaliações mútuas no comércio mundial, em contraponto à globalização, que abriu fronteiras e multiplicou as transações entre países como nunca antes na História.
O retorno do protecionismo ao palco principal do comércio pode atingir profundamente a vida dos brasileiros, ao indicar uma predisposição para se estabelecerem novas barreiras aos produtos de exportação e importação. Esse filme de terror na economia já foi visto num passado nem tão distante. Um país decide estabelecer proteções a determinado setor, seu parceiro comercial retalia com outras sanções, o que gera novas represálias, até que as transações entram em curto-circuito diplomático. O resultado é o que se vê agora nas relações entre as duas maiores superpotências planetárias, EUA e China.
Além de o protecionismo gerar atrasos e ineficiências, quem sempre acaba pagando a conta é o consumidor
A retórica da “America First” que embalou a campanha de Donald Trump para a Casa Branca e passou a ser replicada em outras vitoriosas eleições, como as do Brexit e de Boris Johnson, no Reino Unido, a de Matteo Salvini, na Itália, e a de Jair Bolsonaro, no Brasil, são faces da moeda única do populismo e da demagogia. Pela filosofia do “nós primeiro”, vende-se a crença de que as relações internacionais só são legítimas se os interesses nacionais forem protegidos à exaustão. Não é o que se vê sempre que se fecham fronteiras.
O Brasil perdeu décadas de avanço tecnológico em razão da reserva de mercado para a informática no fim dos anos 1970, que pressupunha o desenvolvimento de uma vibrante indústria de computadores e softwares, o que só acabou ocorrendo com a abertura do setor. O mesmo se deu com a indústria automobilística, até que o país se abrisse à importação de veículos no início dos anos 1990, estabelecendo um novo padrão de exigência tecnológica, preço e qualidade para os automóveis nacionais, com larga vantagem para os consumidores e as exportações.
Além de o protecionismo gerar atrasos e ineficiências, quem sempre acaba pagando a conta é o consumidor. Um estudo do Peterson Institute for International Economics mostrou que, depois de Barack Obama ter imposto, em 2009, uma tarifa de 35% sobre a importação de pneus para assegurar 1,2 mil empregos nos EUA, os norte-americanos gastaram US$ 1,1 bilhão extras em produtos locais, mais caros do que os chineses. Ou seja, cada emprego protegido custou US$ 900 mil, enquanto outros 3.731 americanos, segundo o estudo, perderam o emprego em razão do não investimento desse US$ 1,1 bilhão em outros setores.
A nova onda protecionista é um péssimo sinal para quem tem alto grau de dependência do ritmo de crescimento do mercado chinês, como o Brasil. Por isso, o governo brasileiro deveria acelerar as medidas que estão a seu alcance, como o acordo com a União Europeia e o Mercosul. Tratar mais respeitosa e diplomaticamente os líderes da UE e dos países vizinhos já seria um bom início para que as tábuas da salvação não despenquem na cachoeira da demagogia e dos interesses populistas.