Em mais uma confusão conceitual traduzida em atos concretos, o presidente Jair Bolsonaro suspendeu o uso de radares móveis pela Polícia Rodoviária Federal. A medida é esdrúxula e atropela, ao mesmo tempo, o bom senso e a razão. O trânsito no Brasil mata mais do que qualquer guerra mundo afora, em grande parte pela imprudência dos motoristas, consequência também da fiscalização deficiente e das más condições das nossas ruas e estradas no que tange à engenharia e à sinalização.
Multar nunca foi e nunca será um gesto simpático. Mas é, infelizmente, necessário
Ao proibir o uso de radares, o presidente passa um recado torto à nação. Banalizou-se a ideia de que as polícias e os agentes de trânsito têm o papel prioritário de educar. O argumento até faz sentido, mas não da forma como vem sendo apresentado. É legítimo partir do pressuposto de que um cidadão só poderia portar uma carteira nacional de habilitação se fosse educado, anteriormente, para tal. É por isso que existe toda uma estrutura de cursos e provas, tanto teóricas quanto práticas.
Quando é autorizado oficialmente a conduzir um veículo, o motorista deve, obrigatoriamente, conhecer as leis e comprovar aptidão motora e psíquica para essa atividade tão complexa. A partir daí, muda o enfoque do que se convencionou chamar de "função pedagógica do Estado". No caso, punir com o máximo rigor as eventuais infrações é a única forma aceitável de educar. Pode-se até discutir se isso resulta em mais ou menos arrecadação para o Estado. Mesmo assim, não se deve jamais tirar da perspectiva do debate que multas leves são comprovadamente ineficientes quando se busca a supressão de comportamentos inadequados e perigosos ao volante.
Não se trata de defender qualquer furor arrecadatório em um país onde empresas e cidadãos já são esmagados pelo peso das taxas e dos impostos. Até porque, no caso das multas, não há incidência compulsória. Só são atingidos por elas aqueles que ultrapassam os limites da legislação.
A convivência em sociedade, onde o compartilhamento de espaços públicos traz tantos benefícios, exige a compreensão de que uns são responsáveis pelos outros. O trânsito é um território no qual esse exercício é imprescindível.
Na contramão do óbvio, vivemos, mais uma vez, as contradições de um governo que tem acertos, especialmente na área econômica, mas que parece haver esquecido que se elegeu pregando o fim da impunidade.
Se analisados com profundidade e seriedade, os acidentes de trânsito que mutilam e matam milhares, todos os anos, no Brasil, deveriam ser qualificados de outra forma. Não são acidentes. São resultado de uma cultura violenta e a expressão de uma agressividade que se apresenta na sociedade como um todo. Por isso, cabe ao presidente e ao Estado, em vez de se deixarem guiar pela demagogia, pensar, em primeiro lugar, nas vidas que a proibição do uso de radares poderá ceifar. Multar nunca foi e nunca será um gesto simpático. Mas é, infelizmente, necessário.