Por Anamaria Feijó, doutora em Filosofia, representante da Rede Bioética Brasil no RS, membro da Sociedade Riograndense de Bioética
No último dia 28 de março, o STF posicionou-se, de forma unânime, a favor da constitucionalidade de sacrifício de animais em rituais religiosos.
Tenho que me curvar à decisão desta Corte Suprema, a qual terá repercussão nos tribunais de todo país. Mas me é permitido refletir sobre as bases argumentativas nas quais nossos ministros se apoiaram para emitir seus pareceres.
Os magistrados do STF lembraram, de forma veemente, que a Constituição Federal em seu artigo 5º consagra como direito fundamental a liberdade de religião e, a partir desta premissa, construíram sua argumentação. A Carta Magna, entretanto, em seu artigo 225, também proíbe a crueldade contra animais.
Os juízes optaram por manter a hierarquia usualmente aceita entre esses artigos da Constituição, valorando a liberdade de culto e afirmando que sacrifício de animais em rituais religiosos não se caracteriza como crueldade, termo este extremamente subjetivo e, por conseguinte, passível de interpretações distintas.
Estaríamos negando a liberdade religiosa ao pedir limites à vivência de uma cultura que pode vir de encontro a valores de respeito à dor e sensibilidade de seres vulneráveis? Grande parcela da sociedade vem mudando seus valores em relação ao animal não humano de forma célere e as leis não podem acompanhá-los com a mesma velocidade. Para adequação do que a sociedade acredita e almeja ao que a lei defende, precisamos de juízes sensíveis, inovadores, perspicazes e não tão arraigados a um antropocentrismo forte como se presenciou no julgamento em foco.
Sob minha ótica, perdemos uma grande oportunidade de avançar em uma área que hoje é abordada sob novas nuances, como se verifica em outros países.
Certamente, não estaríamos resolvendo de forma plena a questão da moralidade na discriminação de membros de outras espécies, no Brasil. Mas estaríamos, paulatinamente, assumindo uma posição de defesa de um agir consciente que transcenderia nossa espécie englobando também os não humanos inseridos em nosso entorno.