Por Luís Augusto Fischer, escritor
Ah, Porto Alegre, ó quão dessemelhante estás e estou de nosso antigo estado!
Escuto do motorista do Uber e do vizinho: "Nunca vi a cidade tão largada! Nunca!".
Não é só o verde descuidado, nem só o asfalto ruim, ou a embromação do Cais Mauá, que um mês atrás prometeu um "beach club" com estacionamento para 600 carros para este teu aniversário agora – e nem isso seus gestores entregaram!
Nem é só a ridícula situação de obras atrasadas há mais de uma Copa, aquela trincheira da Ceará que nos faz explicar o inexplicável, com a voz sumindo, sumindo cada vez mais, de vergonha, aos visitantes.
É tanta coisa.
Sim, relativizemos: o baixo-astral é mais do que porto-alegrense, gaúcho, brasileiro. Não é só nosso prefeito que parece sem apetite pela resolução das coisas reais da cidade, talvez porque isso o obrigaria a parar de reclamar do passado, agora já na segunda parte de seu mandato. Não foi só o período de Sartori, outro político que preferiu se esconder atrás de conversas genéricas sem jamais se dignar a vir a público defender o que fazia. Nem é só essa sequência inacreditável de Temer por Bolsonaro, figuras além da minha capacidade de dizer qualquer coisa de relevante.
Ah, Porto Alegre, ó quão dessemelhante estás!
Esta cidade teve e tem pulso, som, cor, palavra.
Esta cidade ainda tem, como se orgulhava Erico, uma orquestra sinfônica. Tem cursos de grande qualidade, nas universidades e fora delas. Tem pesquisa e invenção. Tem escritores em flor e em sucessão. Tem pintores, cantores, músicos, fotógrafos, dançarinos, rappers, improvisadores de verso tanto na língua gauchesca quanto na língua da quebrada. Tem uma Feira do Livro de seis décadas, tem o Em Cena, festival de teatro com quase três décadas. Tem leitores, tem oficinas, tem gente querendo manter a chama da inteligência e da sensibilidade acesa. Tem juristas e cientistas de grande alcance, assim como sambistas e lideranças comunitárias de dar gosto. Tem empreendedores de todos os tamanhos e uma linda gente colorida ocupando a rua, que é nossa. E tem uma luz que vou te contar.
Nem vou te contar.
Esta cidade foi o palco da liderança da Legalidade, linda onda nacional ancorada na força de uma ideia, de um punhado de homens que honravam o bigode e de mulheres que não se mixavam. É a casa de dois clubes campeões mundiais de futebol, um feito de que escassas outras cidades podem se orgulhar no planeta. É o berço do Orçamento Participativo e da luta ecológica no Brasil, marcos da cidadania moderna, assim como do Fórum da Liberdade e do Fronteiras do Pensamento, que prezam pela elogiável e cada vez mais imprescindível tradição liberal ilustrada.
Te falta, Porto Alegre, é olhar mais no espelho desses grandes feitos, para reencontrares a boa semelhança. Para ver como fazer mais e melhor daqui para diante, no futuro que, certo, não será igual ao passado (nunca é), mas que sempre deve ser repensado e trazido no coração, para dar forças ao presente.