Por Miguel Tedesco Wedy, advogado criminalista e decano da Escola de Direito da Unisinos
Em qualquer regime democrático se deve prever hipóteses de prisão cautelar, ainda mais quando o investigado ameaça a integridade das provas ou há riscos para a aplicação da lei, como a probabilidade de fuga. Porém, especialmente depois do fascismo e do nazismo, outro argumento se alastrou pelos ordenamentos jurídicos, com o propósito de permitir prisões sem fundamentos cautelares: a "ordem pública". No fundo, é uma violação da presunção de inocência. Contudo, é um fundamento previsto no Código de Processo Penal, feito durante a ditadura Vargas, e que teve inspiração no Código fascista italiano.
O próprio STF ainda aceita tal fundamento, especialmente nos casos de "gravidade concreta do crime" ou "reiteração delitiva". A decisão que prendeu o ex-presidente Temer está sustentada em dois fundamentos, ordem pública ("a gravidade da pratica delitiva de pessoas com alto padrão social") e conveniência da instrução ("Este fato parece indicar que os investigados estão agindo para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas"). E é aqui que a decisão pode ser atacada.
O primeiro é um fundamento genérico, que a ser seguido, implicaria em prisão obrigatória de todas pessoas com "alto padrão social", o que denotaria uma violação da presunção de inocência. O segundo, é um fundamento opinativo, pois dispõe que "este fato parece indicar...", ou seja, não indica, não prova, não garante, não assegura, que o suspeito esteja de fato a ocultar ou destruir provas. É uma ideia que está na consciência do julgador, mas que deveria estar no processo.
Pior do que ter dois ex-presidentes presos é ver como se tolera nesse país as punições antecipadas. Não esqueçamos a lição de Rui Barbosa: "Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas".