Por Manoel Soares, jornalista
Nos últimos anos uma série de decisões erradas definiu que as Escolas de Samba iam penar sem qualquer incentivo do setor público –um equívoco que só reforça uma lógica de exclusão que vem desde a escravidão.
Por anos, a ópera popular de uma noite foi a janela onde os talentos anônimos ganhavam nome e rosto, um momento de existência social para muitos invisíveis. Essa perda só não foi sentida com mais força porque com a internet, e as suas redes sociais, surgiram outras formas de exibir os "avatares".
Os políticos por sua vez, viam no Carnaval a permuta ideal com as periferias. Não davam educação, saúde, segurança ou saneamento básico, mas garantiam a festa de fevereiro, selando uma dependência que, posteriormente, seria a causa da ruína dessa festa popular.
Se tem um segmento que precisa profissionalizar a gestão, é, sem dúvida, o Carnaval. Mas vários fatores impediram os empreendedores de barracão de entender isso a tempo.
Baseado nessas falhas, elitistas mal intencionados alimentaram o esvaziamento do caixa voltado para investir nessa manifestação cultural e popular em detrimento de manutenção de necessidades básicas. O golpe foi baixo, mas certeiro.
Hoje o Carnaval está na UTI e para "compensar" a perda, a mão invisível da sociedade abençoa os blocos de rua, uma versão etnicamente mais "higienizada" e que alegam ser democrática.
Na festa da rua não tem placa dizendo para a periferia não chegar, mas os códigos sociais imprimem um apartheid, por mais que seus organizadores não tenham essa intenção.
Não falo só de políticos que trancam verbas para agradar eleitores do asfalto, mas de presidentes e gestores de agremiações que usaram o dinheiro da arte para bancar estripulias sexuais e trocas constantes de carros caros. Se o Carnaval de fato morrer, na certidão de óbito dele estará escrito que a desordem e a falta de caráter de muitos carnavalescos facilitaram o trabalho dos feitores e capitães do mato culturais.
A democracia da internet deu ao povo outras formas de existir além da avenida. A tristeza da classe média a fez se apropriar dos sorrisos que a favela carnavalesca ostentava na batucada. E os políticos se deram conta que não precisavam mais pagar por uma ópera efêmera que fazia a senzala se sentir viva e humanizada.
Mas essa agonia que lembra o ronco agudo de uma cuíca pode não ser o fim, mas o cantar de um renascimento mais independente e honesto, a evolução da alegria aliada ao profissionalismo da felicidade. Sempre vai ter um menino que lembra do avô tocando pandeiro e ali talvez esteja a ressurreição.