Por Manoel Soares, jornalista
Nos anos 90 cantávamos: "Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci." Esse era o desejo de pessoas exiladas em sua "senzala social", sim porque a escravidão não foi abolida, na verdade ela se estendeu a alguns brancos amarronzados pela pobreza.
Minha geração passou, a geração dos meus filhos quer ser feliz andando tranquilamente na orla que nasceu recentemente. Essa demanda dos jovens em levar sua estética cultural para um ponto turístico afronta não somente a paisagem, mas a "higiene" que alguns empurram garganta abaixo.
Se fossem meninos querendo tocar violinos na beira do Guaíba, seriam motivo de aplausos. Mas, como falamos de um ritmo de favela, vinculado a negros e excluídos, surgem defensores da moral para tentar fazer a blindagem. Foi essa mesma patrulha que exilou o samba gaúcho no Porto Seco, que nunca reconheceu a semana do hip hop de Porto Alegre, que não deu aos capoeiristas o respeito que mereciam. Mas essa patrulha eugenista já se mostrava ativa desde a Revolução Farroupilha, quando compactuaram com o massacre de Porongos.
Dizer que os meninos do funk vão sujar e bagunçar a orla do Guaíba é falta de criatividade argumentativa. Afinal, alguns dos pais que questionam não conseguem fazer o próprio filho limpar o quarto de casa. E olha que a sujeira deles nada tem a ver com funk. Precisamos ser honestos e saber porque alguns atacam esse meninos que querem romper suas fronteiras e viver uma cidade que lhe renega, quem são esses lanceiros do funk que não querem ser massacrados na inexistência de becos escuros.
Eu faço questão de levar meus filhos para o próximo encontro de funk na orla e quero descer até o chão na batida do tambor digital que vai ecoar um som de liberdade na busca de mover nossas convicções. O verdadeiro desconforto está no refrão: "É som de preto, de favelado e quando toca ninguém fica parado."
Alguns querem que Porto Alegre fique parada no tempo em que negros eram expulsos da Aldeia Africana (atual Goethe) para serem levados para 20 quilômetros de distância no que hoje é um dos maiores quilombos urbanos do país, conhecido como Restinga. Quando o funk tocar, não vamos ficar parados no tempo deixando serem expulsos como foram os sambistas. O pôr do sol vai ficar mais bonito ao som do batidão.