Por Dione Kuhn, editora do Grupo de Investigação (GDI), Política, Economia e Geral de GaúchaZH
A queda do ministro Gustavo Bebianno, que teve como um dos artífices Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, me fez puxar da memória situações que poderiam ser similares na história política recente do país. Lembrei de Fernando Collor e sua mulher, Rosane. Porém, enquanto primeira-dama, Rosane chamou atenção muito mais pela ostentação e submissão ao marido. Ela só foi virar um problema para Collor com o divórcio do casal, mais de duas décadas depois de deixar o Planalto derrubado pelo impeachment, ao lançar um livro em que relatava, entre outras curiosidades, rituais de magia negra na Casa da Dinda.
Bolsonaro se comporta como se ainda estivesse no papel de deputado. Não, presidente! O país está em suas mãos.
Talvez o caso que mais se aproxime do atual ocorreu no governo de Alceu Collares, na década de 1990. Ao colocar a mulher, Neuza, para comandar a explosiva Secretaria de Educação, Collares selou o destino do seu governo. Cometeu um pecado político. Nomeou para um cargo alguém que não poderia demitir, a não ser que estivesse embutida na demissão a própria separação, tamanho era o temperamento forte e dominador de Neuza. Ao implantar o calendário rotativo nas escolas estaduais, Neuza parecia ter a melhor das intenções. Queria solucionar um problema histórico no ensino. A questão é que ela era (e é até hoje) a mulher de Collares, numa época em que o Cpers era o principal sindicato de professores da América Latina e o PT tinha deputados acima da média intelectual e com poder de fogo arrasador. Os méritos (e não só os defeitos) do calendário rotativo só vieram a ser reconhecidos quase duas décadas depois, quando a crise já havia virado um capítulo nos livros de História.
Mas nem o episódio Collares-Neuza serve de paralelo para o que estamos assistindo neste fevereiro de 2019. Neuza pelo menos tinha cargo no Executivo e era uma especialista em educação pública.
Eu já achava estranho na campanha eleitoral os três filhos do futuro presidente falando em nome do pai nas redes, mas vá lá, esperava que, ao assumir a Presidência, daria um pito nos três e começaria a governar. Só que não.
Com frequência, Bolsonaro se comporta como se ainda estivesse no papel de deputado. Não, presidente! O país está em suas mãos. Governe como um estadista. Não misture questões familiares com as de governo. Não use seus filhos como escudos ou fuzileiros. Sei que é difícil ver um filho sob suspeita de receber dinheiro ilegal em suas contas bancárias e de empregar um assessor, Fabrício Queiroz, cuja conta bancária movimentou recursos não compatíveis com a renda. Mas, por favor, não chame Flávio Bolsonaro de garoto, dando a entender que ainda é um adolescente. Flávio é um homem feito, que já foi deputado estadual e agora é senador da República. Se fosse um garoto inconsequente, deveria o senhor próprio ter impedido que concorresse a um cargo tão importante. Aliás, o senhor já havia chamado de garoto o Eduardo, aquele que disse em vídeo que, para fechar o Supremo Tribunal Federal, bastaria um cabo e um soldado. Eduardo é o deputado federal mais votado da história do país, com 1,8 milhão de votos.
Mas voltemos a fevereiro de 2019. Não use como intermediário seu filho Carlos – que também não é nenhum garoto, pois exerce um mandato de vereador pelo Rio – para se livrar de ministros indesejáveis como Bebianno, que até pouco tempo atrás era de sua confiança e agora se vê enrolado em suspeitas de uso irregular de dinheiro na campanha do PSL. Se o senhor foi surpreendido com as denúncias, deveria ter agido imediatamente, e não colocado o filho para detonar um integrante do primeiro escalão, arrastando o governo para uma crise desnecessária.
Governe, presidente, como a liturgia do cargo exige. Deixe para ouvir, discutir e aconselhar seus filhos nos almoços de domingo.