Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Já escrevi várias vezes neste espaço que reformas estruturantes não podem ser analisadas de modo isolado. É necessário que elas sejam incluídas no projeto de país, no plano de governo de modo amplo. A questão da Previdência é emblemática, neste sentido. Hoje, estudos apontam que o sistema previdenciário brasileiro é concentrador de renda, em função das classes privilegiadas que ganham mais do que a massa de trabalhadores brasileiros —aproximadamente 40% do que se paga vai para os 20% mais ricos.
Com essa questão em foco, surgem algumas análises — em geral, aquelas que olham um problema por vez, como se isso fosse possível em economia — alegando que a principal questão da reforma da Previdência seria justamente corrigir a questão da desigualdade. Um equívoco! A reforma está sendo pensada para resolver um problema fiscal e garantir a viabilidade da Previdência.
No entanto, a questão distributiva poderia, de fato, ser considerada ao se fazer uma reforma da Previdência progressiva no seu saldo, ou seja, que exista mais equilíbrio entre contribuições e benefícios per capita, de modo a garantir uma distribuição mais saudável e economicamente viável de renda via este canal. Ainda que, em valores totais, o déficit do INSS, que atende os trabalhadores da iniciativa privada, seja maior, os valores por trabalhador são altamente distorcidos. Enquanto o benefício médio do INSS é de R$ 1,8 mil, no caso dos trabalhadores civis da União esta média alcança R$ 9 mil e, para os militares, o benefício médio é de R$ 13,7 mil.
Mas, o que se ouviu, por enquanto, não parece sinalizar uma intenção de melhoria distributiva. Desde a dúvida sobre a inserção dos militares até a descabida e cruel proposta de um BPC menor do que um salário mínimo para deficientes, tudo indica que distribuição de renda não é uma variável levada em conta.
Agora, some-se a isso: uma reforma trabalhista que, na média, deverá diminuir salários e eventuais benefícios dos trabalhadores mais pobres; ausência de propostas para aumento da produtividade dos trabalhadores, como educação; desconhecimento sobre a proposta de reforma tributária. O resultado final pode ser um país com alguma retomada de crescimento e equilíbrio fiscal, mas com agravamento da desigualdade. Já vimos este filme antes, especialmente nos governos militares.