Por Ana Cristina Pandolfo, psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre e docente do Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia
Eva, viúva aposentada com um salário mínimo, quase não via seus filhos. Fazia sozinha o serviço de casa e não tinha vida social. Solidão, escassez de recursos, envelhecimento... e um príncipe encantado que surge!
Esta história é muito similar a das 10 ligações semanais recebidas pela Receita Federal de Guarulhos solicitando a liberação de pacotes/presentes que na verdade não estão ali. Fazem parte da fraude conhecida como "golpe do amor". Eu diria o golpe do desamor!
Golpes não são uma prerrogativa do nosso tempo. São alicerçados por um lado numa invariância – a maldade ou psicopatia – e por outro, encontra solo fértil numa gama de contextos relacionados a vulnerabilidades, como carência, solidão e ingenuidade, ou os da ganância e pensamento infantil, do easy money, lei de Gerson.
Nossa Eva, vítima da solidão urbana, descobriu um mundo novo, esperançoso e protegido pois, sentindo-se segura da violência nas ruas, em seu quarto sala, permitiu a entrada pela internet de um estelionatário vestido de militar. Disfarce que conferiu seriedade para um roubo financeiro que acabou roubando principalmente os sonhos de Eva.
Entender esta dinâmica é como pensar numa reação química com componentes e elementos combináveis num encontro predominantemente parasitário.
Carência e vulnerabilidades da vítima são atribuídos ao criminoso que passa a ser tratado como a vítima gostaria de ser tratada.
O conto de fadas precisa ser mantido e a despeito da percepção da realidade, dos indícios de que é uma fraude, precisa negar, a serviço da manutenção do sonho.
O contexto digital facilita a formação deste engano numa era de tantas solidões urbanas. Talvez a caixa de tesouro a ser desalienada na Receita Federal represente uma forma de desejo de compensação pela dureza da vida, um ressarcimento.
Como evitar?
Não é fechando o computador! A prisão do bandido não encerra a questão pois muitos destes crimes se dão a partir de presídios.
Penso que o caminho seja seguirmos buscando em nós o melhor da humanidade: a capacidade de cuidar. E como sociedade, olhando para as vulnerabilidades, nos envolvendo com projetos que resgatem pessoas de contextos de risco.