Por Fábio Bernardi, sócio-diretor de criação da Morya
Se eu tivesse um filho, a minha alma cresceria como se fosse uma barriga de mãe. Mas na minha alma ninguém passaria a mão e perguntaria “pra quando é?”. E minha alma ficaria maior para sempre, não voltaria nunca ao que era antes.
Se eu tivesse um filho, eu teria vontade de ser uma pessoa melhor. Nunca precisamos tanto de bons exemplos, e cada gesto, cada palavra e até cada pensamento contam, se quisermos ser aquilo que queremos ver no mundo. E o mundo é criança: precisa de cuidado, respeito, atenção e exemplos. Se eu tivesse um filho, eu queria ser um exemplo.
Se eu tivesse um filho, tolerância, diversidade, compaixão, solidariedade e generosidade seriam linguagens que eu ensinaria antes das palavras.
Se eu tivesse um filho, eu iria passar a vida desafiando a sua imaginação. E ele imaginaria coisas que eu jamais seria capaz de imaginar sozinho.
Se eu tivesse um filho, ofereceria estrutura, amor e confiança para ajudá-lo a alcançar a independência. E sofreria na imensa felicidade de saber que ele não depende de mim.
Se eu tivesse um filho, eu diria que a vida é só um quebra-cabeças, e a cada um resta descobrir a peça que (nos) falta.
Se eu tivesse um filho, eu o ensinaria a conhecer e amar os livros, que ensinam mais sobre a gente do que psicanálise.
Se eu tivesse um filho, eu tentaria ajudá-lo a domar o caos da existência. E diria que, ainda assim, é preciso apreciar a paisagem porque a viagem é curta.
Se eu tivesse um filho, eu pensaria longamente nos meus pais. E nos filhos que cresceram sem pais. E nos pais que perderam seus filhos. E perceberia como pode ser complexa, desafiadora e linda a vida se eu tivesse um filho.
Se eu tivesse um filho, eu lhe daria a liberdade empacotada com o desafio de Nietzsche: “Torna-te quem tu és”.
Se eu tivesse um filho, eu tentaria fazê-lo ver que não é por acaso que iPhone e iPad começam com “I” e não com “we”.
Se eu tivesse um filho, quando ele me perguntasse o que sou, eu responderia: disponível.
Se eu tivesse um filho, ele poderia ser ateu, comunista, militar, gay, hippie, pastor ou sei lá, mas torceria pro Inter.
Se eu tivesse um filho, eu queria ser o melhor coadjuvante do seu protagonismo (roubei a frase do Pedro Fonseca, pra lembrar que, se eu tivesse um filho, eu ensinaria que roubar poesia tá liberado, mas você fica preso pra sempre).
Se eu tivesse um filho, eu faria do meu amor um útero.
Se eu tivesse um filho, ele se chamaria Santiago.