No curto prazo, são compreensíveis e previsíveis a preocupação e eventuais restrições ao fato de o juiz Sergio Moro, que se transformou em símbolo do combate à corrupção, ter aceito o convite para assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro. Além de provocar eventuais prejuízos à imagem do trabalho da força-tarefa da Operação Lava-Jato, a decisão contribui para reforçar suspeições infundadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja condenação foi confirmada em segunda instância, e de todos os que tentam sabotar a operação por interesse próprio ou partidário.
No médio e longo prazo, porém, a confirmação do juiz de Curitiba para o superministério da Justiça pode significar um renascimento dos princípios e da atuação da maior ação de combate à corrupção no país. A operação se desenrola hoje em várias frentes e sua continuidade já não depende de um ou outro magistrado específico. Mais recentemente, a própria atuação de Moro já vinha sendo esvaziada por decisões da Suprema Corte, como no caso da Segunda Turma do STF, que, em agosto passado, retirou da 13ª Vara Federal de Curitiba trechos de delações premiadas da Odebrecht que fazem referência ao ex-presidente Lula.
Sob forte ataque de correligionários de Lula e de outros condenados em Curitiba, Moro também já vinha sofrendo constantes tentativas de desgaste pessoal à frente da 13ª Vara, como a que sucedeu a divulgação de parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas do primeiro turno.
Mesmo a operação Lava-Jato, depois de quatro anos intensos e de executar a mais profunda extirpação de corrupção na história do país, já começa a dar sinais de esgotamento em Curitiba. O momento, portanto, é apropriado para, mais do que uma reviravolta, inaugurar-se um novo ciclo nos conceitos e nas práticas que embalam a Lava-Jato.
Como explicou em nota o futuro ministro, foi "a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos" que o levou a tomar a decisão. A perspectiva coincide com os anseios de uma parcela expressiva da população que se manifestou nas urnas e nas ruas contra a chaga da corrupção e aqueles que tentam desmoralizar a força-tarefa. No fundo, apesar das naturais contestações sobre sua decisão, Sérgio Moro tem uma chance única de levar para o combate da corrupção na origem os princípios da prevenção e investigação que estimulou no Judiciário, apenas a ponta final do processo que tenta dar cabo ao assalto aos cofres públicos.
É evidente que Moro faz uma aposta de alto risco para sua biografia, pois sua imagem estará pela primeira vez associada a um governo, em particular a um nome de grande controvérsia interna e externa. Para Jair Bolsonaro, porém, a presença de Moro na galeria de ministros é uma façanha e tanto. De uma só vez, como nunca antes na escolha de um nome de enorme simbologia, um presidente eleito mostra iniciativa concreta para colocar em prática sua promessa de combate à corrupção e transmite para o Exterior um forte contraponto à percepção generalizada do Brasil como um antro de corrupção pública.
Com o passar dos meses, superada a estupefação inicial, tanto para a limpeza ética da vida nacional quanto para a imagem internacional do país, as vantagens da nomeação tendem a superar plenamente os questionamentos e as preocupações deste momento. O fato é que, goste-se ou não da nomeação, quando Jair Bolsonaro disse no discurso da vitória após a eleição que iria quebrar paradigmas, ele não estava falando da boca para fora.