Por Hilda Simões Lopes, socióloga e escritora
Eu quero não a ideia e sim o nervo do sonho... escreveu Clarice Lispector. Certa ocasião, comentando a poesia de Maria Carpi, falei de como a força intimista de suas palavras lembravam Clarice. Maria disse que ao conhecer sua poesia, Clarice Lispector a chamara de "minha irmã". A sensível Clarice sentira a religiosidade com que Maria Carpi mirava o "nervo do sonho".
Com a simplicidade das grandes pessoas, Maria Carpi é uma das poetisas mais ricas da literatura brasileira, com poemas de forte apelo filosófico, sensibilidade refinada e inequívoca sabedoria. Modesta, avessa à autopromoção, e com produção significativa, essa gaúcha que emana poesia, é mestre na tessitura dos sentimentos universais: Penetrar numa floresta era tão sagrado que espontaneamente me descalçava a não assustá-la com minha intrusão, em seu acúmulo de folhas não varridas e o hálito da luz ali retido em comoção. Assim minha mãe e eu investimos certa vez na tapera do que fora nosso pomar (...) a não pisar as lembranças arfantes sobre as ervas e as heras a nos subirem nos rostos molhados ....
E assim Maria Carpi vai, voa (para tornares a voar, apenas entra em ti mesmo, pois é da tua natureza) e afunda (ave dentro da moita, água dentro da pedra, coração dentro dos ossos, ai, que seria de nós sem os pobres!), corta a vida e recorta as memórias (chegar ao porto certo é ser devolvido ao mar), resgata a beleza (nasceu demais e a vida é escassa para o reunir), e nos impõe verdades (cair em virtudes, é mais terrível do que subir em vícios).
Nesses tempos cinzentos, a riqueza humana contida nas palavras de Maria Carpi – Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre – assume ainda maior dimensão por nos dizer que, sim, é preciso trocar as asperezas da concretude pelas emoções do lírico. Afinal, o melhor da vida abriga sonhos, reverbera o sublime e respira o belo.