Por Antônio Augusto Mayer dos Santos, advogado e professor de direito eleitoral
A natureza de ser facultativo ou obrigatório fomenta debates inconciliáveis quanto ao exercício do voto. Tanto que, no âmbito da decantada reforma política, esta é a única questão que não se refere diretamente às instituições ou ao seu funcionamento, mas apenas ao sujeito, no caso, o eleitor. Noutro giro, quando é projetada em torno das eleições, a sua relevância adquire vigor inconteste.
Em termos práticos, votar é uma função pública do cidadão tanto quanto prestar serviço militar e pagar impostos. E num país como o Brasil, onde as carências econômicas e sociais estão a todo instante evidenciando que a democracia ainda não está inteiramente consolidada, o voto obrigatório emerge como fator de vitalidade para o Estado de direito ao inserir o eleitor como partícipe da vida estatal em caráter irrenunciável.
Para melhor situar essas considerações no contexto ora advogado, calha recordar uma frase de Bertold Brecht (1898-1956) que, embora datada do início do século 20, segue válida: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não sabe o custo de vida, preço do feijão, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende de decisões políticas. O analfabeto político é tão burro, que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais".
Obviamente que a obrigatoriedade do sufrágio não tem o condão de impedir o descaso dos eleitores quanto às ocorrências exemplificadas pelo dramaturgo alemão. Tampouco pode forçá-los a se interessar pela política ou por políticos. Todavia, a enxurrada de informações que deriva da campanha eleitoral poderá sensibilizá-los quanto às suas escolhas.
Nessa linha, as análises mais consistentes acentuam que a imposição do voto reveste os pleitos de maior legitimidade. Com isso, num país de números superlativos como o Brasil, onde 147.302.354 eleitores estão inscritos, o resultado advindo das urnas exprimirá a vontade da maioria, impedindo que os derrotados suscitem o contrário. Quanto mais não fosse, o abstencionismo elevado ou dominante nos países onde o voto é facultativo intensifica a ilegitimidade do poder ou de ordens políticas.
Ademais, razoável admitir que num país de proporções continentais, de quase nenhuma educação política e número irrisório de bibliotecas, a adoção do voto livre faria com que os eleitores das áreas mais pobres ou distantes, de renda e escolaridade escassas, se abstivessem do sufrágio, o que certamente geraria um dano grave e com múltiplos efeitos.
Por derradeiro, um fundamento muitas vezes desdenhado: a corrupção eleitoral. O elevado número de denúncias por compra de votos e mandatos cassados, além de expor a chaga dos ilícitos, demonstra que o país não dispõe de maturidade política suficiente para tornar o voto opcional. E nisso não há espaço para teses filosóficas. Se o voto for convertido numa opção, o volume de ofertas e procuras em torno dele será incontrolável.
Assim, embora a facultatividade seja sedutora e sabidamente goze de simpatia perante expressiva parcela de eleitores, é forçoso concordar que se trata de uma modalidade ainda incompatível com a realidade brasileira, onde os índices de desinteresse pelas prioridades públicas e mercancia eleitoral são significativos. O voto obrigatório é, neste momento, um investimento continuado no avanço democrático da República.