Por Fábio Hoffmann, cientista político
As explicações sobre o bolsonarismo geralmente associam o fenômeno à disjunção do sistema político, à dificuldade do país de superar a crise econômica e ao desarranjo social, como a crise moral e ética. Isso não deixa de ser verdade, não obstante, como lembrava Vilfredo Pareto, um dos pais da Teoria das Elites, é preciso que se raspe o verniz ideológico do exterior da fachada brilhosa apresentada como diagnóstico. Só por trás desse verniz, argumentava o sociólogo, é que encontramos os verdadeiros elementos que explicam um fenômeno social.
A história do homem em sociedade é a de um contínuo esforço para dar ordem aos símbolos e significados acumulados ao longo de sua longa jornada. E o conforto existencial do homem foi garantido através da estabilidade identitária cristalizada com os papéis sociais bem definidos. Esta simbologia formada ao longo do tempo consolidou uma mentalidade social de dominação que é essencialmente masculina. Tudo estava em ordem nesse universo, até que a desarticulação e a ruína da identidade fizeram o chão desaparecer.
Em sua expressão psicossocial, o bolsonarismo reflete uma tentativa de reafirmação do universo da identidade masculina em uma simbologia representada pela tentativa de recuperação de valores como a família e a volta de uma definição tradicional em relação à identidade quanto ao gênero. É por isso que, aos montes, os homens gritam "mito", "mito", "mito". Estão a seguir uma figura que subjetiva um aceno ao conforto de reajuste e reafirmação da constelação de seu universo simbólico de dominação.
Assistimos, portanto, a uma tentativa derradeira de resposta a este desconforto identitário provocado pela rápida liberalização dos costumes nos últimos anos, na qual a questão de gênero é central. O desajuste provocado nesse campo em um país de natureza autoritária, com um sistema político apodrecido e com uma economia que retira a esperança das pessoas a cada dia, poderá trazer respostas de reafirmação conservadora, o que provocará a perda de direitos conquistados de minorias.