Por Valdete Souto Severo, juíza do Trabalho da 4ª Região (RS), doutora em Direito do Trabalho USP
No preâmbulo da Constituição de 1988 nos declaramos “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Faz 30 anos, é muito pouco em termos históricos.
O compromisso que assumimos é avesso a discursos de ódio, mesmo aqueles que buscam cooptar nossa simpatia, por prometer falsa segurança. É também avesso a discursos misóginos, preconceituosos, que hostilizem a pobreza, a escolha sexual, o ser mulher e até mesmo o pensamento.
A alusão à necessidade de uma constituinte de notáveis, dispensando inclusive a função do parlamento, dá conta da gravidade do momento presente. E não se trata de optar entre seguir à esquerda ou à direita. A disputa é entre democracia e fascismo. Democracia exige um convívio plural respeitoso, que nem sempre é fácil. Mais confortável é ver-se no espelho, reproduzir os mesmos valores. O problema é que eliminar as diferenças não tornará nosso país mais seguro.
A aposta em armas resultará mais violência. A aposta na privatização ou na concentração de renda resultará mais pessoas sem saúde, moradia, trabalho ou alimentação adequada. Abandonar o ideal democrático é também renunciar à divisão entre os bons e os maus, que supostamente deixaria em posição segura aqueles que se veem como cidadãos de bem. Isso porque o esgarçamento do tecido social, o aumento da miséria e da violência, atingirá a todas e todos.
A escolha que estamos sendo chamados a fazer é a de reafirmar nossa ordem social ou apostar na ruptura. Tenho convicção de que o discurso fascista não passará: ele não! Nossa Constituição é jovem, mas é forte; foi parida na luta contra a ditadura civil-militar, de um povo que certamente não aceitará tamanho retrocesso. Ainda precisamos compreendê-la e efetivá-la; há um longo caminho a ser percorrido. A aposta na democracia, na inclusão solidária e no respeito às diferenças é complicada, geradora de demandas, mas é também uma aposta corajosa, um voto necessário.