Por Ana Cristina Pandolfo, psicanalista SPPA, docente e supervisora do IEPP
Conheci uma família que vetou três assuntos à mesa: política, religião e futebol. Após inúmeros almoços de domingo que iniciavam de forma saudosa e terminavam antes da sobremesa em função de bate-boca, combinaram de suspender esses assuntos para o bem da união familiar. Não penso que a repressão do debate seja o melhor caminho. É importante ouvirmos do outro opiniões que nos façam refletir, crescer. Talvez tenhamos que pensar onde o debate se perde e se converte em disputa, cabo de guerra, tudo ou nada.
Por que será que falar de política mobiliza tanto e em época de eleições mais ainda, levando a conversa a níveis quase religiosos?
E quando a política entra em grupos de WhatsApp familiares que originalmente foram criados para manter todos informados e atualizados acerca de notícias e combinações da família? Não estão à mesa, não se enxergam, não sentem o tom e muitas vezes não estão no mesmo ritmo, momento e disponibilidade. Se política à mesa já é difícil, o que dirá num meio digital, onde o virtual borra a nitidez do diálogo. Uma necessidade imperiosa de evacuar por sobre os membros do grupo a "sua verdade", o "seu candidato", o "seu anticandidato" tem sido motivo de muitas desavenças, mas principalmente da perda de um espaço que em seu potencial poderia ser para compartilhar a vida daquele grupo que entendeu ter muito em comum.
Existe também um fenômeno que curiosamente diminui o cuidado e respeito, similar ao efeito do álcool que desinibe freios sociais mínimos. De quantas "brigas de faca" em mesa de bar em função de política já não soubemos? A suposta distância propiciada pelo WhatsApp parece, como o álcool, facilitar uma expressão menos comprometida com o outro. Desinibe. E aí... se escreve. Mas logo se dá conta de que a ação precedeu a reflexão e aí já era. Já está na rede, para todo o grupo. A palavra escrita tem um peso diferente da falada. Ela fica ali. Gritando, para quem entende que é um grito, ironizando para quem sente-se ironizado, respaldando para quem se sente respaldado.
Diferente do Facebook, no qual monólogos são postados em busca de algum acolhimento ou de alguma rota de colisão como gatilhos ou provocações, no WhatsApp existe um grupo circunscrito, identificado e conhecido. Família, amigos, colegas de trabalho são os destinatários e aí o enredo tecido nessas comunicações nos remete ao infantil, de todos nós, ao nosso primitivo, nosso atávico ainda atual: disputas por territórios, por poder, desejo de dominação e a novela familiar de cada um de nós. O posicionamento político que predomina no grupo passa a reger o teor dos memes, que encaminhados excessivamente desconfiguram o propósito civilizado desse grupo.
Épocas de crise política como a que vivemos propiciam a instalação de verdades absolutas e de parcialidade.
Precisamos ser "re-alfabetizados" na arte da verdadeira política, do nosso ser político, incompleto, que precisa do outro. E para isto, quem sabe, talvez tenhamos que reaprender a conversar.