Por João Batista Costa Saraiva, Advogado, professor da Escola Superior da Magistratura do RS
O privado hoje é público. As pessoas postam desenfreadamente nas redes sociais, sem o mínimo filtro do superego. Em alguns casos, o senso crítico parece em férias, para acreditar que exista. De sorrisos nas selfies a pratos de macarronada. Não passa nada. Compartilham obscenidades, correntes de oração, opinião sobre tudo e todos, até ministra impedida de assumir rodeada de amigos em traje de banho...
É neste contexto que vejo o post daqueles brasileiros na Rússia induzindo uma aparentemente ingênua jovem sem saber o que dizia a entoar refrão obsceno.
Houve imensa repercussão e reações enérgicas ante a grosseria irrefletida. Tomou a dimensão de um escândalo internacional. Irão responder a um processo na Rússia, segundo se noticia a partir da iniciativa da ativista Alyona Popova. Foram linchados nas redes sociais e, certamente, "caiu a ficha".
O gesto é absolutamente reprovável, chulo, não nos representa como disse o ministro do Esporte. Mas, na reflexão de Nelson Rodrigues, "desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade".
Acompanho jogos de futebol em estádio há mais de 50 anos. Gosto de desfrutar da adrenalina da arquibancada. Houve um tempo em que mulheres eram execradas e a simples presença de uma mulher na cancha produzia um coro de impropérios. O que se percebe é que há notável evolução em civilidade. Lentamente, mas evoluindo. Hoje, mulheres têm presença nos estádios e aquele ooohhh no lance tem um tom mais agudo. E elas estão lá e torcem e, também, dizem palavrões... Mas já não se toleram atitudes homofóbicas, manifestações abusivas, discriminatórias, racistas e de outra ordem. É a expressão de uma nova geração. Salvo os excessos do politicamente correto, que pode se converter em um inimigo íntimo da democracia, para parafrasear Todorov, há avanços.
Mas o futebol ainda é um espaço machista e os freios inibitórios estão menos ativos, tomados por uma euforia entorpecente. Já foi pior, uma espécie de terra de ninguém. Ainda há que se superar as manifestações de violência, uma expressão da própria sociedade no estágio em que estamos imersos. Há ainda, para agravar, a má educação do brasileiro, que vira e mexe se evidencia nas condutas de manada e tem maior repercussão fora de casa – quem é que cospe no chão dentro de casa? "Macharadamente", as mazelas acabam se pronunciando em ambientes de futebol. Com certeza, aqueles brasileiros pensavam-se em uma extensão de um estádio de futebol, ignorando regras, a destilar o machismo de cada um, prevalecendo-se abusivamente da situação. Absurdamente primitivo e opressor o comportamento. Porém, é nesse contexto que imagino deva ser avaliada aquela conduta, não se lhe atribuindo nem mais nem menos importância além do limite de sua idiotia. Voltando a Nelson, que era pessimista, "os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos". Espero que haja resistência...