Existe discriminação salarial por gênero. Uma montanha de trabalhos acadêmicos já demonstrou isso. Quando se comparam os salários de homens e mulheres que exercem exatamente a mesma função, e leva-se em consideração o máximo possível de características particulares de cada um, ainda assim permanece uma diferença — que é, então, atribuída à discriminação.
Mas existe um argumento de que as empresas tenderiam a não discriminar as mulheres porque operam racionalmente, almejando sempre os melhores resultados, portanto, premiando a meritocracia. Isso significa que não faria sentido pagar menos para a mulher se ela é tão produtiva quanto o homem, e contribuirá tanto quanto ele com o resultado final da empresa. Dito de outra forma, discriminar seria atentar contra o próprio patrimônio, pois se perderia potencial produtivo por desestímulo, ou seja, um comportamento irracional.
Os dados reais, no entanto, apontam que a discriminação acontece. Poderíamos atribuir isso, forçando o argumento, à lógica crua de que a empresa estaria precificando apenas as diferenças de produtividade entre homens e mulheres, mas não atuando com qualquer preconceito. Só que este argumento economicista não resiste a um olhar mais elaborado. A revista Exame publicou, nesta semana, uma reportagem discutindo as dificuldades que as mulheres têm em negociar seus salários, em comparação com os homens. Resultados de estudo ali apresentado indicam que o homem é, em média, três vezes mais bem-sucedido em negociações salariais do que a mulher.
Acontece que a essência da discriminação salarial por gênero, aquilo que é seu elemento fundador, não está nas empresas. Elas são, isto sim, a instância onde ela se materializa, se monetiza. Mas a discriminação está arraigada na nossa sociedade, construída sobre estruturas patriarcais que resistem aos anos e sobre as quais se constroem as relações de mercado. Isso vai desde o tempo dedicado à casa e aos filhos, de um lado, até a ideia arcaica do “homem provedor”, do outro.
Concluir que negociações salariais são definidas por gênero é o atestado de que, em muitos casos, não se trata de produtividade, mas daquilo que se traz da rua para dentro da empresa. Discriminação salarial é expressão de uma série de coisas, dentre elas, uma perspectiva machista de sociedade.