Todo mundo que estudou minimamente os grandes desafios que temos como civilização fica incomodado quando vê peças de comunicação falaciosas. É irritante ver alguém pedindo para tomarmos banho de três minutos, pois sabemos que um bife equivale a muitos banhos em termos de consumo de água. Dizem para economizar energia em casa enquanto destinamos boa parte de nossa eletricidade a indústrias que país nenhum quer ter em seu território, como a do alumínio.
Preferimos abordagens comparativas. O que é pior: andar de carro todo dia ou fazer uma churrascada por semana? Foi pensando nisso que o Guardian fez uma matéria em julho, comparando várias atitudes que podemos tomar para ajudar a conter a mudança climática global. Exagerou, porém, ao sugerir que o melhor que podemos fazer é ter um filho a menos do que normalmente teríamos.
Não é que esse assunto não possa ser abordado. O problema é que a discussão ética por trás dessa recomendação é extremamente profunda. Cabe até um questionamento se deixar de ter filhos não significaria justamente jogar a toalha e perder a batalha do clima. Quantos filhos precisamos ter agora para podermos ajudar gerações anteriores, cada vez mais longevas? Será que, se as famílias mais conscientes reduzirem sua fertilidade, não vai ser justamente nas menos conscientes que nascerá a próxima geração?
Os grandes problemas globais são capazes de despertar traços autoritários dentro de nós. Tem que limitar a fertilidade, sim! Não a minha, claro, mas a dos mais pobres. Seca na África? Que se virem por lá os africanos! Nada de migrar para outras partes.
Não vai ser o clima, por si só, que vai nos matar, como se fosse um desastre hollywoodiano. As consequências sociais, econômicas e políticas é que já estão, pouco a pouco, fazendo com que a parte civilizada do nosso planeta diminua. Como diz Ai Weiwei, em seu novo filme, prestes a estrear no Brasil, nosso desafio é a convivência em um mundo que está encolhendo.