Vivemos em Brasilville nesta segunda-feira. A Miss Brasil é negra e foi o que bastou para a moça ser colocada no pelourinho social. Empregadinha, plebeia e daí em diante foi descendo a ladeira dos impropérios e do preconceito. Nestas horas, dá uma desesperança na civilização. Parece que não evoluímos nada. Mas, evoluímos sim. Que o diga o velho guerreiro, que hoje ouviria muita buzina com seu programa.
Imagine a cena passando na sua televisão, no domingo à tarde. O apresentador, com um pirulito na mão, pergunta ao auditório: "Quem chupa mais, o homem ou a mulher?". Pouco depois, no mesmo programa, um conhecido jurado pede a uma caloura que mostre a bunda. Close na dita cuja e o famoso diz: "E ainda tem gente que não gosta".
Assisti a estas cenas no Programa do Chacrinha, em reprise no Canal Viva. Eram outros tempos, claro. Mas só esta noção de que eram outros tempos já demonstra a nossa evolução. Apesar de eu gostar do Chacrinha e de reconhecer sua importância e seus méritos, é óbvio que estas duas cenas não seriam possíveis na TV de hoje. E é óbvio, também, que seriam alvo de protestos e até de reclamações formais, talvez jurídicas. E isso é bom. Assim como também é bom, e importante, notar a enorme diferença entre as duas cenas. No mundo politicamente correto de hoje, deixamos de separar o que é apenas humor do que é puro preconceito ou agressão. A primeira cena, ainda que chula, é apenas humor brejeiro, insolente, brasileiro até. Podemos gostar ou não, reclamar ou não, rir ou enraivecer, mas esse humor não tem gênero, nem cor, nem nada. É apenas piada. Já a segunda cena, esta é carregada de sexismo, de preconceito, de perpetuação de uma vergonha por ser gay e de uma submissão sexual feminina que não podem mais serem aceitas como se fossem naturais ou fruto de um traço cultural. Há que se cuidar a diferença entre uma cena e outra, assim como é preciso separar a diferença entre uma crítica à beleza da nova Miss Brasil e uma crítica à cor de sua pele, ou, pior, relacionar uma e outra.
Apesar dos surtos, o mundo mudou e vai continuar mudando para melhor. Não há ataque terrorista, marcha nazista ou post racista que vença uma nova geração que está nascendo dando vivas à diferença e clamando por igualdade. A cada ação torta virá, sempre, uma reação digna de uma parcela cada vez maior da população. E é desta reação que vem a esperança. Sejamos todos, cada vez mais, intolerantes com a intolerância.