O recrudescimento da crise política a partir da confissão do ex-assessor especial da Presidência da República e amigo pessoal do presidente Temer, o advogado José Yunes, sobre o recebimento de um pacote com dinheiro para a campanha presidencial de 2014, intensificou a ansiedade de políticos e não políticos pelo foro privilegiado, cada vez mais visto como passaporte para a impunidade. Ao afirmar ao Ministério Público que repassou o conteúdo encaminhado por um doleiro a Eliseu Padilha, Yunes poderia estar tentando pegar uma carona no foro privilegiado do ministro-chefe da Casa Civil, que tem direito a julgamento no Supremo Tribunal Federal, caso a investigação resulte em denúncia e em processo.
A Operação Lava-Jato está servindo, também, para escancarar a deformação em que se transformou o "foro especial por prerrogativa de função", previsto na Constituição Federal para altas autoridades da República e estendido pelas constituições estaduais para uma quantidade de agentes públicos que não encontra paralelo em nenhum outro país do mundo. De acordo com a Associação dos Juízes Federais, 45,3 mil brasileiros contam com o benefício atualmente. Em países como Estados Unidos e Inglaterra, até mesmo o presidente da República e o primeiro-ministro são julgados nas mesmas instâncias dos demais cidadãos. Aqui, o direito ao chamado foro privilegiado contempla governantes, parlamentares, juízes e policiais da União, Estados e municípios. Especificando: além do presidente, dos ministros e dos governadores, também prefeitos, promotores, procuradores e secretários estaduais ganharam a prerrogativa de julgamento em tribunais colegiados ou especiais.
É, portanto, urgente uma revisão desse instituto, que sobrecarrega os tribunais superiores, posterga decisões judiciais e, invariavelmente, garante impunidade aos beneficiados. Além da redução do número de pessoas habilitadas ao privilégio, a reforma deve incluir uma mudança sugerida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o julgamento especial só seja aplicado a crimes cometidos durante o exercício do cargo, pois esse é o espírito da lei. Delitos cometidos fora da função ficariam para ser julgados pelos tribunais comuns.
Do jeito como está, o foro privilegiado representa mais um entrave para o processo de moralização da administração pública no país.