Dois ministros do Supremo Tribunal Federal fizeram manifestações públicas na semana passada contra o chamado foro privilegiado, elevando a pressão sobre o Congresso para que revise logo esse instituto que garante a autoridades públicas julgamento especial e particular quando são alvos de processos penais. Principais beneficiários da prerrogativa, deputados e senadores têm adiado sistematicamente o reexame dessa garantia constitucional ao exercício da função pública, que acabou transformando-se em salvo-conduto para a impunidade, tanto devido à quantidade de agentes contemplados quanto por causa da sobrecarga de processos nas cortes coletivas e nos tribunais superiores. Ninguém fica livre do processo, como argumentou o ministro Celso de Mello ao chancelar o ministério criado pelo presidente Michel Temer para proteger seu amigo Moreira Franco. Mas a demora nos julgamentos e o risco de prescrição praticamente garantem que muitos réus ficarão impunes.
Por isso, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, ambos do STF, manifestaram na semana passada inconformismo em relação ao benefício que está deixando a própria Corte antipatizada com a opinião pública. Barroso encaminhou ao plenário do Supremo Tribunal Federal um processo para reduzir o alcance da prerrogativa de foro de deputados, senadores e ministros. Fachin, que herdou a relatoria da Lava-Jato, também pede que a Corte Suprema reavalie o alcance do foro privilegiado, decidindo preliminarmente se a alteração pode ser feita por mudança de interpretação constitucional ou se requer intervenção do Poder Legislativo. Ele considera incompatível com o princípio republicano a determinação de que uma autoridade seja julgada em tribunal específico.
É assombrosa a quantidade de autoridades contempladas pelo privilégio. Atualmente, no Brasil, há mais de 20 mil ocupantes de postos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, em todas as instâncias da federação, com direito a julgamento especial e particular quando enfrentam processos penais. De acordo com a legislação, têm direito a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros da Corte e o procurador-geral da República. Também compete ao STF julgar, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. O Superior Tribunal de Justiça julga, por crimes comuns, governadores dos Estados e do Distrito Federal, e também por crimes de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, membros dos Tribunais de Contas estaduais, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e integrantes do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. Por fim, a Constituição prevê foro privilegiado perante o Tribunal de Justiça para prefeitos, nos crimes comuns e de responsabilidade, e para juízes e membros do Ministério Público.
Como se vê, duas restrições se impõem: a limitação do número de autoridades com direito ao foro por prerrogativa de função e a aplicação da proteção a condutas relacionadas ao exercício do cargo.