O verão nos predispõe ao ócio e, até com chuva, nos abre novas visões de entretenimento. O mar e as viagens funcionam como feliz escapismo às agruras e às venturas, mas nos arriscam, também, a fugir da realidade.
Por isto, contrariando meu estilo, vou recomendar um filme, uma maravilha da cinematografia alemã que, na alegria do verão, nos leva à realidade profunda - nos faz pensar na grande tragédia do século 20 e nos alimenta de otimismo e esperança quanto ao século atual.
"Labirinto de mentiras" (ou "Im Labyrinth des Schweigens" no original alemão) retrata uma história real ocorrida em Frankfurt em 1958, em que a persistência de um jornalista e a audácia de um jovem promotor de Justiça desvendam as aberrações cometidas pelos nazistas.
Na época, a Alemanha Ocidental escondia o passado recente, já que "desnazificar" significava esquecer e tapar tudo, como se o terror de Hitler, de 1933 a 1945, fosse só um pesadelo sem existência concreta.
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Até os alemães sobreviventes dos campos de extermínio (judeus na maioria) temiam revelar o passado. Um deles, porém, é convencido pelo jornalista Thomas Gnielka a contar tudo ao jovem promotor Johann Radmann, que começa a investigar por conta própria. Seus superiores e colegas se enfurecem:
- Queres com esta loucura culpar todo o povo alemão? - pergunta o promotor-chefe.
Os personagens aparecem com seus nomes reais. O filme é a reconstituição dramática de tudo. A verdade histórica brota em tom de profunda beleza, a coragem e a honestidade pessoal suplantam o oportunismo ou a conivência do governo e dos próprios alemães. Mostra como o procurador-geral do Estado de Hesse, Fritz Bauer (um judeu sobrevivente do Holocausto) arriscou-se a tudo em favor da investigação.
Décadas atrás, quando morei em Buenos Aires, ao pesquisar sobre os nazistas lá escondidos, acompanhei os passos de Bauer. Foi ele que, em segredo, deu ao governo de Israel as indicações sobre Adolf Eichmann na Argentina. A captura do mentor do Holocausto, seu julgamento e condenação abriram nova visão à aplicação da Justiça.
Aí se solidifica o princípio de que os crimes contra a humanidade não prescrevem.
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O filme retrata o ano de 1958 na Alemanha mas é o espelho do Brasil atual. Nosso procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ali está na figura do alemão Bauer. Os procuradores que esmiúçam o assalto à Petrobras na Operação Lava Jato são o promotor Radmann revelando, aqui, o horror que empresários e políticos praticam pelas mãos de simples funcionários ou de marginais, como "doleiros" e "lobistas".
O jornalista que, em Frankfurt, contou o que a Alemanha escondia é a imprensa que, hoje, revela as entranhas da corrupção no Brasil e, assim, faz que a investigação se aprofunde. Ou alguém crê que, se tudo corresse "em segredo de Justiça", a Polícia Federal, os procuradores e o juiz Sérgio Moro teriam podido chegar aonde chegaram?
No Rio Grande do Sul, onde tudo em aparência é aberto e fácil, até hoje não foi julgado (na instância inicial) o processo do roubo multimilionário na CEEE no governo Pedro Simon, em 1988-89. Em valores atuais, a fraude supera US$ 800 milhões (vezes quatro para conhecer o montante em nossa moeda), mas as empresas e funcionários implicados continuam a posar de honestos.
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Na área federal, o labirinto de mentiras começa a desvendar-se. Não é ao acaso que três presidentes da República - Collor, Fernando Henrique e Lula da Silva - aparecem na mira das investigações sobre subornos na Petrobras.
O conluio público-privado que fez da corrupção uma forma de governar agigantou-se na ditadura direitista, quando tudo era segredo. Nada se investigava na administração. A Polícia Federal só se ocupava dos opositores políticos, a Justiça e a imprensa não tinham liberdade de ação, a denúncia era "subversão".
Estamos a salvo das mentiras de ontem. Mas o labirinto do horror continua na tentativa de encobrir o crime dos rejeitos de minérios de Mariana, MG. Ou na lentidão em julgar a matança impune de Santa Maria, que completa três anos daqui a dias.