Era inevitável que acontecesse. A forma constitucionalmente determinada para a indicação de membros do Supremo Tribunal Federal, o modo negligente como é cumprido o rito das sabatinas pelos senadores e a chegada do PT ao poder para uma longa permanência que já leva 13 anos, só podia dar no que deu.
Não espero e sei que não deveria esperar daquele pequeno colegiado um espelho de representação da opinião pública. Esse papel, aliás, sequer é viável na Câmara dos Deputados. Embora haja pluralidade no parlamento, a exemplo da sociedade, suas decisões não refletem, percentualmente, o que a nação pensa. Fosse assim, poucas matérias seriam aprovadas. Ali é preciso compor opiniões divergentes para formar maiorias. Ora, se os deputados têm autonomia para não serem papagaios amestrados de seus eleitores, menos ainda o haveriam de ser os ministros do STF. Acontece que, após oito anos de PSDB e 13 de PT, a corte virou "progressista", perdeu substância e se submeteu às incorreções do "politicamente correto". Fenece, então, por essas e outras razões, aquilo que os romanos chamavam de auctoritas - a legitimação socialmente reconhecida.
Puxo da pilha este exemplo. Em fevereiro do ano passado, uma nova maioria formada com a indicação do advogado Roberto Barroso para a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Ayres Brito, levou o STF a produzir o "mico" da década, absolvendo do crime de formação de quadrilha os principais protagonistas do mensalão. A decisão foi um disparate à luz do que então já se sabia e um absurdo maior ainda à luz do que hoje se sabe. Encurtaram-se as penas e os companheiros bateram asas para fora da gaiola mais cedo do que estava definido.
Pois bem, nesta semana, o ministro Ricardo Lewandowski, o mesmo que em 7 de julho se encontrou com Dilma às escondidas na cidade do Porto (sem que ninguém tirasse uma única foto!) afirmou durante palestra proferida na capital paulista: "Temos que ter paciência e aguentar mais três anos sem nenhum golpe institucional". Como ser paciente quando o presidente do Supremo se manifesta e se conduz desse modo em assunto pertinente com exclusividade ao Congresso? Pergunto: agiu bem o ministro Marco Aurélio Mello, na última quinta-feira, ao recomendar a higiênica renúncia de Eduardo Cunha (que agora, registre-se, só o PT não quer)? Ministros do STF não deveriam opinar sobre questões de outros poderes, fora dos autos, como se estivessem numa mesa de bar discutindo a escalação da seleção brasileira. Mas o Supremo, como disse, perdeu a noção. E vai-se, junto, a auctoritas.