Com uma fita métrica em volta do pescoço e um dedal no dedo, Raniero Mancinelli passa uma agulha em uma batina preta com debrum vermelho para um cardeal em sua alfaiataria, a poucos passos do Vaticano.
— São necessários dois ou três dias para fazer um terno: tirar as medidas, cortar e montar tudo — diz o italiano de 86 anos, um dos últimos alfaiates eclesiásticos de Roma.
Esses são dias agitados em sua loja histórica no bairro de Borgo Pio, a poucos passos da Santa Sé, antes da ordenação de 21 novos cardeais no sábado (7), dos quais um terço encomendou suas roupas ao profissional.
Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre e o único brasileiro na lista de novos cardeais, também usará traje feito por Mancinelli.
— Eles confiam em mim e eu sei o que tenho que fazer com base no local onde vivem, no clima e em suas capacidades financeiras — diz o homem com sobrancelhas pretas espessas e um fino cavanhaque prateado.
Mudanças na moda
O alfaiate, acompanhado pela filha e pelo neto, se equipa com tesouras, alfinetes, bobinas e botões. Duas batinas escarlates prontas estão penduradas dentro da oficina. Mas os futuros cardeais também precisarão de uma biretta (um boné quadrangular coberto com uma borla), uma muceta (uma capa que chega até os cotovelos) e uma roquette (uma roupa de renda branca).
O alfaiate também confecciona os hábitos pretos e as golas brancas para os padres, e os solides e os cintos roxos para os bispos.
As sedas luxuosas usadas no passado foram substituídas por "lãs mais leves e baratas", reduzindo o preço de uma batina para cerca de 200 euros (valor em R$ 1,2 mil na cotação atual).
Originário da região de Marche, na costa leste da Itália central, Mancinelli entrou no comércio "por acaso".
— Um dia me ofereceram o trabalho de confeccionar batinas para o Vaticano. Comecei assim, com cautela, pouco a pouco, mas logo vi que gostava — conta.
Desde então, ele trabalhou sob sete papados diferentes. Começou no final da década de 1950 com o papa Pio XII e, em 1962, abriu seu próprio negócio.
Ele lembra com nostalgia das longas caudas escarlates de 6 a 7 metros de seda usadas pelos cardeais ou dos colarinhos altos usados pelos clérigos. No entanto, a moda muda, assim como a moda eclesiástica.
Após o Concílio Vaticano II, na década de 1960, que trouxe a Igreja para a era moderna, o vestuário clerical foi simplificado. O estilo ficou ainda mais austero com o papa Francisco, que se recusa a usar as peles e os veludos de seus antecessores.
— São mais leves, menos caras, menos suntuosas e menos chamativas —diz Mancinelli.
Mestre
A oficina está repleta de fotos do alfaiate com papas. Ele confeccionou batinas para os últimos três, incluindo o pontífice argentino. No entanto, o que mais o motiva é seu relacionamento "excepcional" com clérigos comuns, que lhe deu forças para reabrir após a difícil pandemia.
—São eles que me dão essa energia, esse desejo de trabalhar — desabafa.
Homens da Igreja de todo o mundo passam em sua loja quando visitam Roma. Alguns se tornaram amigos, outros subiram os degraus da hierarquia católica. Com o passar do tempo, a concorrência diminuiu e o setor de moda para igrejas se tornou mais industrializado.
— É um trabalho muito específico, tudo é feito à mão — afirma Mancinelli.
O alfaiate tem um aprendiz nesse ofício secular, seu neto Lorenzo di Toro, de 23 anos, que trabalha com ele há três anos. Seu avô é "muito exigente" e "atento aos mínimos detalhes", aponta. Mas Di Toro diz que está pronto para herdar o negócio da família:
— Eu sempre tento aprender com ele porque, no final das contas, ele é o mestre — reconhece.