O presidente argentino, Javier Milei, sofreu um revés, nesta quinta-feira (14), quando o Senado rejeitou o "decretaço" de desregulamentação econômica determinado pelo Executivo em dezembro e cujo destino depende, agora, da Câmara dos Deputados.
O mega decreto "segue vigente, vai passar para a Câmara dos Deputados e vamos ver como essa história continua", disse o senador governista Ezequiel Atauche, depois da votação, que terminou com 42 votos contra, 25 a favor e quatro abstenções.
O partido de Milei é apenas a terceira força no Senado, assim como na Câmara dos Deputados. Então, a expectativa é de que medida também não seja aprovada pelos deputados.
A rejeição desta quinta-feira ocorre após o fracasso de Milei em fevereiro, com seu outro grande programa de reformas, a chamada "Lei Ônibus". A iniciativa naufragou na Câmara dos Deputados e voltará a debate após sofrer cortes e modificações.
O que prevê o "decretaço"
O polêmico "Decreto de Necessidade e Urgência" (DNU) 70/2023 foi assinado por Milei em 20 de dezembro, 10 dias após sua posse, e propunha desregulamentar ou modificar mais de 300 leis da Argentina.
Entre as leis revogadas pelo DNU está a que regulamentava o mercado de aluguéis, assim como normas que limitavam os aumentos que os planos de saúde podiam impor a seus clientes. A medida é uma peça fundamental do plano de governo de Milei para desregular e reduzir ao máximo a participação do Estado na economia argentina.
A iniciativa foi recebida com repúdio pelos setores sociais, em um contexto de 276% de inflação anual e com mais da metade da população - de quase 46 milhões de pessoas - vivendo abaixo da linha da pobreza.
Tramitação
Por lei, o Congresso deve analisar os decretos "de necessidade e urgência" do Executivo. Após a votação desta quinta, boa parte do DNU seguirá vigente - com exceção do capítulo referente a uma reforma trabalhista que foi suspenso pela Justiça -, já que, para que seja anulado pelo Poder Legislativo, também precisa ser rechaçado pela Câmara dos Deputados.
— Basta que uma só câmara o aprove para que o decreto seja aprovado, e para que seja rechaçado é necessário que as duas câmaras o rejeitem expressamente — explicou o constitucionalista Félix Lonigro.
O consultor político Carlos Fara assinalou que o decreto "não terá uma tramitação simples" na Câmara dos Deputados. Caso o DNU seja sepultado definitivamente na Câmara, isto constituiria "um duro golpe" para o Executivo, "porque as duas primeiras grandes iniciativas do governo foram a 'Lei Ônibus', que por ora caiu, e o DNU, que é seu programa de governo", explicou.
O porta-voz presidencial, Manuel Adorni, disse nesta quinta que, se o decreto for rechaçado no Congresso, o governo tem um "plano B" e um "plano C".
É a primeira vez em 30 anos que um DNU é rejeitado em uma câmara legislativa na Argentina.
Duas frentes de turbulência
— O DNU é inconstitucional e isso é o único que nós temos que avaliar. E não digo isso eu, mas todo o espectro de constitucionalistas da Argentina — expressou durante sua intervenção na sessão desta quinta o senador e presidente da União Cívica Radical (centro), Martín Lousteau.
Desde o seu anúncio em dezembro, diversos juristas expressaram publicamente que este decreto viola a Constituição e deveria ser invalidado pela Justiça.
— Com a doutrina vigente da Suprema Corte, eu arriscaria a dizer que é impossível que o DNU possa ser aprovado — disse Ricardo Gil Lavedra, um dos magistrados que condenaram as juntas militares em 1985 por crimes de lesa-humanidade.
Para Fara, "o DNU tem duas frentes de turbulência: uma é o Congresso e a outra é a Justiça. E na Justiça, boa parte do DNU já está ferido de morte".