A conclusão do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia esta semana tem sido praticamente descartada por integrantes do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por outro lado, afirmou que vai insistir na negociação durante a cúpula de chefes de Estado do bloco sul-americano, no Rio de Janeiro. O pacto de livre comércio ganhou impulso nas últimas semanas, mas enfrenta resistência na Argentina e na França e foi perdendo fôlego às vésperas do que deveria ser o anúncio.
Do lado argentino, o problema é o timing: o governo do libertário Javier Milei vai assumir a Casa Rosada três dias após a Cúpula do Mercosul. Do lado francês, a questão é mais estrutural. O presidente Emmanuel Macron declarou no fim de semana que é contrário ao acordo, que chamou de antiquado. Lá, o agro pressiona contra a abertura comercial com os sul-americanos e, por isso, a posição francesa não surpreende quem acompanha as discussões agora ou acompanhou no passado.
Esses entraves dificultam a negociação que se arrasta há duas décadas e persistem no momento que é visto como uma janela de oportunidade. Isso porque tanto o Mercosul como a União Europeia são presididos agora por países favoráveis à negociação: Brasil e Espanha, respectivamente. Mas a partir do próximo semestre o cenário muda e a eleição no Parlamento Europeu prevista para 2024 aumenta a incerteza.
O passo a passo das discussões
Em fevereiro, Macron disse na Feira Agrícola de Paris que o acordo seria condicionado a medidas ambientais e que era "impossível" aprová-lo do jeito que estava. No mês seguinte, a União Europeia enviou ao Mercosul a chamada "side letter", um documento com exigências adicionais ao acordo firmado em 2019, após 20 anos de discussão.
— Os europeus argumentaram que não era uma reabertura (da negociação), que era uma questão de interpretação, mas um dos problemas é que havia, sim, uma reabertura, havia compromissos adicionais — disse o embaixador Philip Gough, diretor do Departamento de Política Econômica, Financeira e de Serviços, do Itamaraty durante a Cúpula Social do Mercosul, evento que antecede o encontro de chefes de Estado no Rio de Janeiro.
Lula chamou as exigências adicionais de "inaceitáveis" e teceu duras críticas, inclusive durante viagem pela Europa em junho. A principal reclamação do lado sul-americano era a possibilidade de sanções em caso do descumprimento dos acordos ambientais - ideia refutada na contra proposta do Mercosul.
Em julho, o Brasil enviou a resposta aos demais países do bloco (Argentina, Uruguai e Paraguai), que tiveram dois meses para a revisão. Em setembro, os europeus receberam o documento sucinto, em que o Mercosul reafirmava o compromisso com acordos ambientais já existentes e destacava a intensão de avançar para estabelecer a zona de livre comércio. Desde então, as reuniões são praticamente diárias.
Com o processo de revisão em aberto, o Brasil passou a contestar também a possível entrada de empresas europeias nas compras públicas.
— Em paralelo, o novo governo (do Brasil) chegou a conclusão que a parte relacionada à política industrial precisava ser melhorada. Na parte industrial entram as compras governamentais. Achamos que alguns setores deveriam ser excluídas da oferta. Um que foi aceito pelos europeus foi o setor de saúde, nós passamos pelo trauma da covid-19 e chegamos à conclusão que era preciso ter autonomia. Outros setores como economia verde podem ter algum tipo de exclusão — afirma Philip Gough.
O governo alega que as compras públicas são um instrumento para fomentar a indústria local e quer preservar esse direito especialmente nessas áreas que considera mais estratégicas. No meio desse processo de barganha, o Brasil pede ainda que os sistemas nacionais de monitoramento sejam usados para aferir o cumprimento das medidas ambientais.
Integrantes do governo e o próprio presidente Lula tem repetido que o acordo precisa ser bom para os dois lados dando a entender que o Mercosul teria feito mais concessões do que deveria para concluir as negociações em 2019. Na época o presidente argentino Mauricio Macri havia descongelado as relações de Buenos Aires com a União Europeia, depois do afastamento promovido por Cristina Kirchner. E pressionava pelo acordo.