O presidente da Guiana, Irfaan Ali, declarou que o país vai acionar o Conselho de Segurança da ONU nesta quarta-feira (6), em resposta ao anúncio da Venezuela sobre a elaboração de um "novo mapa" que inclui o território de Essequibo.
Na terça-feira (5), Nicolás Maduro, presidente venezuelano, introduziu uma série de medidas relacionadas ao assunto, propondo uma lei para criar a província "Guiana Esequiba" e anexar a área pertencente à Guiana.
Ali caracterizou as ações como "desrespeito flagrante" à decisão da Corte Internacional de Justiça, que determinou que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo. O presidente da Guiana diz ter discutido o assunto com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e a possibilidade de acionar o Conselho de Segurança já tinha sido considerada pelas autoridades do país caso a situação se agravasse.
Plebiscito
Após o anúncio da vitória do "sim" no plebiscito venezuelano para a anexação da região de Essequibo, que pertence a Guiana, no domingo (3), a grande pergunta é o que vem depois. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ressaltou que a vitória representa "o primeiro passo" para que a Venezuela lute pelo território que considera seu. Apesar do alerta ligado na América do Sul para a possibilidade de um conflito armado entre Caracas e Georgetown, analistas avaliam que o movimento de Maduro foi feito para reforçar o nacionalismo venezuelano, desviando a atenção do público da crise política e econômica do país com a proximidade das eleições.
Guerra
A possibilidade de uma guerra iniciada por Caracas para a anexação de Essequibo é pequena, de acordo com Oliver Stuenkel e teria um custo diplomático muito alto para o regime de Maduro. A Venezuela conta com a flexibilização das sanções por parte dos Estados Unidos e União Europeia para respirar economicamente. O alívio do pacote de sanções para o regime de Maduro ocorreu em um contexto de maior busca por petróleo após o início da guerra da Ucrânia e foi condicionado a realização de eleições livres e justas no país em 2024.
— Para o regime venezuelano, o custo diplomático e econômico de uma guerra iniciada por Maduro seriam imensos, desde a reimposição de sanções amplas por parte de Washington até a condenação diplomática quase universal - inclusive na América Latina. No caso pouco provável de um ataque militar por parte da Venezuela, a Guiana contaria com apoio de seus aliados, como os Estados Unidos, para preservar sua integridade territorial — afirmou o professor de relações internacionais da FGV.
Georgetown avalia que Washington é um aliado próximo e considera a possibilidade de expandir a cooperação no setor de defesa com os EUA. Com uma população de um pouco mais de 800 mil pessoas e um poderio militar muito modesto, a Guiana admite o estabelecimento de uma base militar dos EUA em seu território. Os estadunidenses enviaram à Guiana chefes do Comando Sul das Forças Armadas para contribuir nos planos de defesa da nação sul-americana.
— Nunca estivemos interessados em bases militares, mas temos de proteger o interesse nacional — declarou o vice-presidente de Guiana, Bharrat Jagdeo.
Neste momento, em caso de uma invasão venezuelana, um conflito representaria uma ameaça à soberania da Guiana devido às diferenças entre os contingentes dos dois países. Enquanto a Venezuela tem um efetivo de 123 mil pessoas, a Guiana tem um exército de 3,4 mil soldados.
— Estamos lidando com forças militares completamente diferentes, a Venezuela tem um armamento russo, com tecnologia avançada — pontuou Trevisan, da ESPM.
Petróleo
As reservas de petróleo no território da Guiana são um fator chave para entender a disputa entre o único país de língua inglesa na América do Sul e a Venezuela. A descoberta de petróleo bruto no país em 2015 pela empresa americana do setor petrolífero ExxonMobil transformou a economia da Guiana. A ex-colônia britânica possui cerca de 11 bilhões de barris de reservas privadas de petróleo bruto, ou cerca de 0,6% do total mundial. A produção começou três anos atrás e agora está aumentando o ritmo.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o país cresceu 62% no ano passado e deverá somar mais 37% este ano. Essa é a taxa de crescimento mais rápida em qualquer lugar do mundo.
A situação do país vizinho é bem diferente, com o sucateamento da empresa estatal venezuelana de petróleo PDVSA, devido a diversos casos de corrupção e mau gerenciamento. A capacidade de produção de petróleo da Venezuela caiu de 3,4 milhões de barris para apenas 700 mil por dia.
— As recentes descobertas de petróleo em Essequibo levaram Maduro a tentar resgatar uma narrativa de vitimização histórica, segundo a qual a nação foi roubada da riqueza que lhe pertence — apontou Stuenkel.
A região de Essequibo é rica em recursos naturais e representa dois terços do território da Guiana, além de ser o lar de 125 mil habitantes da ex-colônia britânica.
A disputa territorial teve origem no século 19, quando o Reino Unido reclamou a região que pertencia à Venezuela, recém-separada da Espanha, como parte de sua Guiana. Uma arbitragem internacional patrocinada pelos EUA lhe deu razão em 1899. O resultado foi contestado pela Venezuela e nova discussão ocorreu em 1966, em Genebra, quando a Guiana se tornou independente.
Os países assinaram o Acordo de Genebra, para buscar uma solução para o conflito fronteiriço, reconhecendo a existência de uma controvérsia decorrente da sentença de 1899. Contudo, as tratativas associadas a esse acordo continuaram a se desdobrar ao longo do tempo, sem que se alcançassem resultados concretos.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, determinou na sexta-feira passada (1º) que a Venezuela deve evitar qualquer iniciativa que comprometa o status quo com a Guiana. A decisão do CIJ respondeu a um pedido da Guiana ao alto tribunal para que ordenasse "urgentemente" a paralisação do plebiscito venezuelano. O Tribunal de Haia se pronuncia sobre litígios entre Estados e suas decisões são juridicamente vinculantes, mas a Corte não tem o poder para fazer com que Caracas cumpra o veredito.