Mais de 95% dos eleitores que participaram em um referendo no domingo (3) na Venezuela sobre Essequibo, território que o país reivindica da vizinha Guiana, apoiaram a proposta de criar uma província nesta região rica em petróleo. A área representa 70% do atual território da Guiana.
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo, dos quais 95,93% aceitaram incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país e conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guianenses que vivem no território. Apenas 4,07% discordaram da proposta.
— Demos o primeiro passo de uma nova etapa histórica para lutar pelo que é nosso. O povo venezuelano falou alto e de maneira clara — celebrou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que tentará a reeleição em 2024, diante de uma multidão na Praça Bolívar, no centro de Caracas. — Foi um dia maravilhoso (...) uma vitória esmagadora do 'Sim'" — afirma.
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, que denunciou o referendo como uma "ameaça", disse que seus compatriotas não tinham "nada a temer".
— Estamos trabalhando incansavelmente para garantir que nossas fronteiras permaneçam intactas e que a população e nosso país continuem seguros — declarou em uma transmissão no Facebook.
A Guiana considera o referendo "provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional” e afirma que não tem dúvidas sobre a validade do Laudo Arbitral de 1899, que estabeleceu a atual fronteira entre os dois países.
"É nosso"
A Venezuela argumenta que o rio Essequibo é a fronteira natural com a Guiana, como em 1777 quando era Capitania Geral do Império Espanhol. O país apela ao Acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que estabeleceu as bases para uma solução negociada e anulou uma decisão de 1899, que definiu os limites atuais.
Georgetown, no entanto, defende o laudo de 1899 e pede que seja ratificado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal tribunal da ONU.
O "sim" também venceu com percentuais superiores 95% nas outras quatro perguntas do referendo, que contemplavam a rejeição ao laudo de Paris e da jurisdição da CIJ, o apoio ao Acordo de Genebra e a oposição ao uso pela Guiana das águas marítimas de Essequibo, onde o governo de Georgetown e o grupo americano ExxonMobil iniciaram a exploração de vastas reservas de petróleo descobertas em 2015.
O referendo sobre Essequibo, território de 160 mil quilômetros quadrados e com 125 mil habitantes, a princípio não teria consequências concretas a curto prazo: a Venezuela busca reforçar sua reivindicação e negou que a iniciativa seja uma desculpa para invadir e anexar a zona à força, como temem os guianenses.
Votos ou eleitores?
No primeiro boletim, Amoroso anunciou mais de 10,5 milhões de votos — de um eleitorado de 20,7 milhões — em meio a relatos baixo comparecimento aos locais de votação.
O número provocou polêmica, pois o CNE não divulgou os dados da abstenção. Líderes da oposição e alguns analistas interpretaram o anúncio como uma tentativa de disfarçar uma taxa de participação "pequena".
"Segundo Elvis Amoroso, a participação de hoje (ele não se atreveu a afirmar) foi de 2.110.864 eleitores. Foram cinco votos por eleitor (...). Maduro transformou uma oportunidade de fazer algo bom para todos os venezuelanos em um fracasso estrondoso", destacou o ex-candidato à presidência e líder opositor Henrique Capriles na rede social X.
"É muito difícil compreender resultados dessa maneira", disse Luis Vicente León, diretor da empresa de pesquisas Datanalisis.
"Guerra" de bandeiras
O ministro venezuelano da Defesa, Vladimir Padrino, e outros funcionários de alto escalão do governo, como a vice-presidente Delcy Rodríguez, divulgaram um vídeo em que indígenas substituem uma bandeira da Guiana em um mastro por uma bandeira da Venezuela. Eles afirmaram que é a mesma bandeira hasteada em 24 de novembro por Ali na Serra de Pacaraima, na área reivindicada.
Procurado pela AFP, o comandante do Estado-Maior das Forças Armadas da Guiana, brigadeiro Omar Khan, afirmou que o vídeo seria "falso" e o chamou de "propaganda de guerra".
"Bom senso"
A reivindicação da Venezuela se intensificou desde que a ExxonMobil descobriu, em 2015, petróleo em águas disputadas, o que deixa a Guiana com reservas de petróleo comparáveis às do Kuwait e com as maiores reservas per capita do mundo.
Milhares de guianenses formaram correntes humanas no domingo, chamadas "círculos de união", para mostrar seu apego à região. Muitos vestiam camisetas com frases como "O Essequibo pertence à Guiana" e agitavam bandeiras do país.
— Não temos as armas, os tanques de guerra. Temos Deus e nos protegerá — disse à AFP Dilip Singh, empresário que participou em uma das manifestações na província de Pomeroon-Supenaam, em Essequibo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que reforçou as tropas brasileiras na fronteira, disse no domingo que espera que "o bom senso prevaleça" nesta disputa e que a região não precisa de confusão.