"O sol da Venezuela nasce no Essequibo" e "o Essequibo pertence à Guiana": esses são os dois slogans de uma disputa territorial centenária que atingiu alto nível de tensão nos últimos dias. Caracas realizou um referendo no domingo (3) sobre a anexação da região, onde o "sim" venceu com mais de 95%.
Na última sexta-feira (1º), a Corte Internacional de Justiça (CIJ), chamada de Tribunal de Haia, ordenou que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo — região rica em petróleo e recursos naturais administrada pela ex-colônia britânica que Caracas afirma ser sua.
Confira abaixo quatro pontos para entender a questão:
A disputa
Chamado de Guiana Essequiba na Venezuela, esse território de 160 mil quilômetros quadrados é administrado pela Guiana, apesar da antiga reivindicação venezuelana. Possui depósitos de petróleo e minerais, bacias hidrográficas ricas e as famosas cataratas Kaieteur.
Localizada a oeste do Rio Essequibo, a região representa mais de 70% do território da Guiana e seus 125 mil habitantes — pouco mais de 15% dos 800 mil de todo o país — falam inglês.
A Guiana defende uma fronteira definida em 1899 por um tribunal de arbitragem e agora recorre à Corte Internacional de Justiça (CIJ), máximo órgão judicial das Nações Unidas, para validá-la.
Caracas, por sua vez, argumenta que o rio é a fronteira natural, como foi em 1777, quando era Capitania Geral do império espanhol. Apela ao Acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que anula a decisão anterior e estabelece as bases para uma solução negociada.
— Todo mundo estava de acordo com a decisão de 1899 — garante Mark Kirton, professor universitário em Georgetown, capital da Guiana.
— A Venezuela tem a capacidade e o dever de mostrar os títulos de propriedade que respaldam seu direito sobre a área — destaca, por outro lado, o professor Luis Angarita.
O referendo
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo no último domingo (3), dos quais 95,93% aceitaram incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país e conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guianenses que vivem no território. Apenas 4,07% discordaram da proposta.
— Demos o primeiro passo de uma nova etapa histórica para lutar pelo que é nosso. O povo venezuelano falou alto e de maneira clara. Foi um dia maravilhoso (...) uma vitória esmagadora do "sim" — celebrou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que tentará a reeleição em 2024, diante de uma multidão na Praça Bolívar, no centro de Caracas.
A Guiana considera que o referendo é uma "violação das leis internacionais".
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, que denunciou o referendo como uma "ameaça", disse que seus compatriotas não tinham "nada a temer".
— Estamos trabalhando incansavelmente para garantir que nossas fronteiras permaneçam intactas e que a população e nosso país continuem seguros — declarou em uma transmissão no Facebook.
A Guiana considera o referendo "provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional”.
O petróleo
A Guiana anunciou uma importante descoberta de petróleo em Essequibo, que adiciona pelo menos 10 bilhões de barris às reservas do país, tornando-as maiores do que as do Kuwait. Maduro chamou o presidente guianense, Irfaan Ali, de "escravo" da gigante petrolífera americana ExxonMobil.
O referendo foi convocado depois que, em agosto, Georgetown abriu uma licitação para poços de petróleo na área, provocando a ira de seu vizinho.
Josmar Fernández, especialista em resolução de conflitos, ressalta também que a disputa "truncou uma saída aberta para o Atlântico" para a Venezuela.
Guerra?
O lema "O Essequibo é nosso" aparece sempre na televisão e enche os muros nas ruas. Muitos analistas estabelecem paralelos com a Argentina e as Malvinas.
A Guiana, no entanto, insiste em que não cederá "uma palha de grama" à Venezuela, inspirada em uma música da banda The Tradewinds, que fala em "não recuar, não ceder nem uma montanha" quando "forasteiros falam em invadir".
O tom está subindo. A Venezuela constrói uma pista militar perto da fronteira, e a Guiana propõe estabelecer bases de aliados estrangeiros na área.
— Quando se fala em território, estamos falando também de um compromisso onde estão impregnados sentimentos nacionalistas — afirma Fernández, especialista em resolução de conflitos.
Maduro fala em "diplomacia de paz". O presidente da Guiana pede "bom senso".