Por Renata Bahrampour
Advogada, ativista em direitos humanos
Por Susana Zaman
Mestra em Equidade de Gênero, cofundadora da Consultoria Maternidade nas Empresas
Desde a morte da jovem iraniana Mahsa Amini, presa pela polícia da moralidade porque não estaria usando o véu compulsório corretamente, as ruas do Irã foram tomadas pelos gritos “mulheres, vida, liberdade” proferidos por homens e mulheres. Essas manifestações têm ganhado ainda mais impulso nas mídias sociais, escancarando todos os abusos e anseios que estão abaixo da ponta de um grande iceberg – que só agora tem sido exposta para o mundo – e que vai muito além de um pedaço de pano. É o retrato de imensas insatisfações de longa data com todo um sistema, o que implica a necessidade de se analisar o tratamento a que minorias em geral têm sido submetidas no Irã, especialmente no pós-Revolução Islâmica.
Ano após ano, as Nações Unidas têm feito relatórios sobre a situação de direitos humanos no Irã, denunciando diversos tipos de violações. Em março de 2022, o documento apresentado no Conselho de Direitos Humanos da ONU afirma que “as minorias (no Irã) são desproporcionalmente afetadas pela imposição da pena de morte (...) e também estão em desvantagem no que diz respeito ao reconhecimento de direitos na lei e como uma questão de política (estatal)”, o que tem afetado muitos grupos étnicos e religiosos, incluindo a maior minoria religiosa não muçulmana do Irã: a comunidade bahá’í.
Não é de hoje que as iranianas têm se mobilizado em prol de seus direitos. No século 19, à frente de seu tempo, estava Táhirih, uma das primeiras seguidoras da fé bahá’í, que se tornou escritora, poetisa e teóloga em um contexto cujo destino das mulheres era o de serem iletradas, mantidas à parte da esfera pública e tratadas como animais de procriação.
Em 1848, ousou tirar publicamente o véu, não como forma de fazer oposição ao Islã, mas sim para simbolizar que uma nova etapa da história da humanidade havia chegado. Uma etapa que deveria ser mais permeada pelos ideais femininos, em que toda a sociedade deveria pensar sobre a posição e o direito das mulheres com mais profundidade e em um patamar mais elevado.
Certamente, Táhirih foi uma das primeiras expoentes dos pilares que sustentam o que hoje conhecemos como feminismo e, por causa de suas aspirações e crenças, foi morta, estrangulada com o seu próprio véu, em 1852, aos 38 anos. Antes de ser executada, suas últimas palavras dirigidas aos seus algozes foram: “Podeis matar-me, quando bem o quiserdes, mas não podereis impedir a emancipação das mulheres”.
Apesar da distância temporal, o que há em comum entre o feito de Táhirih e o protagonismo das mulheres iranianas de hoje é, essencialmente, o intento de promover uma transformação estrutural e cultural, que não pode se restringir às fronteiras do Irã. Esse é um tema e uma preocupação que devem ser de todo o mundo, inclusive de nós, brasileiros e brasileiras. No Brasil, as mulheres não estão livres de opressão. Feminicídio, violência doméstica, controle sobre as escolhas e sobre o corpo da mulher, desigualdades no mercado de trabalho também maculam a sociedade e, com urgência, devem ser superados.
Só para ilustrar, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgados em 2015, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada; a pesquisa “Chega de fiu-fiu”, do Coletivo Think Olga (2013), constatou que 33% das mulheres relatam já terem sido assediadas no ambiente de trabalho. Como podemos ter uma sociedade saudável e próspera se mais da metade das pessoas do mundo (as mulheres) vive hoje alguma forma de opressão? Os movimentos para trazer à tona o que está “debaixo do iceberg” precisam ser duradouros e direcionados a uma mudança consciente que leve à promoção de conversas e ações contínuas que assegurem a presença das mulheres nos papéis de liderança e nas discussões dos assuntos prevalecentes da sociedade, reconfigurando a posição dos homens nos espaços de poder e provocando um novo nível de pensamento e comportamento, aqui ou no Irã.
A resposta é que a emancipação feminina é um caminho inevitável, uma vez que a maneira como uma sociedade trata as mulheres é o termômetro que mede o quanto os direitos humanos têm sido garantidos a todas as pessoas. Mais proteção às mulheres, mais progresso social, em qualquer parte do mundo.