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Possível vitória de Joe Biden projeta mudança nas relações internacionais, com impacto para o Brasil

Rejeitado por Trump, multilateralismo deve voltar ao horizonte caso democrata seja o vencedor das eleições nos EUA, aponta pesquisadora

BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Saída de cena? Donald Trump, com Jair Bolsonaro, na Casa Branca

Por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
Advogada, professora de Direito Internacional na Unipampa

Antes de pensar no aguardado resultado final das eleições dos EUA, faz-se mister ressaltar o fato de que um presidente pode ser eleito, naquele país, sem ter a maioria dos votos populares. Devem ser recordados alguns eleitos mesmo sem essa maioria, casos de George W. Bush, em 2000, e Donald Trump, em 2016. Candidata pelo Partido Democrata em 2016, Hillary Rodham Clinton relembra, no livro What Happened (“O que aconteceu”), que, antes do atual pleito, havia sido a presidenciável que mais votos teve na história, atrás somente de Barack Obama, em 2008. Mesmo com seus mais de 65 milhões de votos, ela não ganhou a eleição, em um resultado tão inesperado que, após a derrota, recebeu telefonemas de ex-presidentes como Jimmy Carter e o republicano George W. Bush. Como Hillary relatou, não era um segredo que nem Bush, nem Carter são admiradores de Trump.

Na área do direito internacional e das relações internacionais, o atual presidente dos EUA conduz a política externa de modo avesso ao multilateralismo. Além disso, nos últimos quatro anos dificultou relações com regiões com as quais até então os EUA conservavam reciprocidade histórica, como a União Europeia. A Alemanha, com sua chanceler, Angela Merkel, é um exemplo de mudança de inserção internacional após o efeito Trump: segundo Merkel, tornou-se fundamental estabelecer novas alianças, pois o presidente estadunidense não é um líder confiável.

No caso do Brasil, existe uma admiração incontestável por parte de Jair Bolsonaro em relação ao presidente Trump. No entanto, ao verificar a possível vitória de Joe Biden (não confirmada oficialmente até a publicação deste texto), a estratégia do governo brasileiro é tentar se aproximar do candidato, ainda que não tenha obtido sucesso. Curiosamente, o presidente do partido de esquerda do México, Andrés Manuel López Obrador, também é admirador de Trump, mesmo que Trump tenha defendido a construção do muro que separa os EUA do México. Seu slogan de campanha, em 2016, havia sido “Build a wall and make Mexico pay for it”, ou seja, “construir o muro e fazer o México pagar por ele”. Obrador e Bolsonaro, contudo, são exceções em uma sociedade internacional perplexa com o modus operandi das relações internacionais de Trump, incluindo aí a sua condução da pandemia da covid-19.

O presidente dos EUA denunciou o Acordo de Paris, que tem como objetivo fortalecer a resposta global de ameaça à mudança do clima, sendo um importante tratado multilateral para a temática ambiental. E, também, o Tratado para a Eliminação de Mísseis Nucleares de Curto e Médio Alcance (INF), um acordo bilateral entre EUA e Rússia na doutrina da manutenção de destruição mútua assegurada (MAD) utilizada a partir da Guerra Fria. Trump disse que não permaneceria em um tratado bilateral que a Rússia não respeita. Na Organização Mundial de Comércio (OMC), o atual presidente estadunidense deixou de nomear os juízes para o Órgão de Apelação, prejudicando todos os julgamentos sobre medidas a serem tomadas em áreas como salvaguardas, antidumping e antissubsídios.

Em quatros anos, a política externa de Trump foi nefasta para a sociedade internacional, interrompendo vários tratados internacionais que seus antecessores haviam negociado habilidosamente. Para o Brasil, vale ressaltar, é fundamental a utilização do sistema multilateral, pois nele as assimetrias se tornam menos evidentes e os países conseguem negociar em um patamar mais igualitário. Para uma potência como os EUA não faz muita diferença, mas ao Brasil é mais vantajoso negociar em bases multilaterais do que bilaterais. A vitória de Biden, se confirmada, pode retomar a possibilidade de maior protagonismo do multilateralismo, pois o candidato democrata se posicionou no sentido de retomar o diálogo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), assim como o Acordo de Paris e, ainda, a aproximação com a OMC.

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